Nasceu a 22 de Abril de 1924 em Lisboa. Embora esteja
longe dos palcos há uma década, muitos continuam a lembrá-la com ternura dos
seus tempos como artista. Estreou-se na rádio a declamar poesia e aos 18 anos
entrou no filme “Amor de Perdição”. Passou pela época áurea da rádio, do cinema
e da televisão. Aos 91 anos, recebeu-nos em sua casa, para partilhar a história
da sua vida com os nossos leitores.
- O que é que as
pessoas não sabem sobre a Carmen Dolores?
Não sabem? Eu já disse tanta coisa, já dei tanta
entrevista ao longo da vida que às vezes tenho a sensação que já contei tudo da
minha vida artística. Evidentemente a particular, não falo muito. Mas em todo o
caso, ando sempre à procura de mim, de modo que eu própria também não sei tudo
de mim, e continuo a não saber, apesar de já ter esta idade. Portanto também é
natural que os outros não saibam. Mas daquelas coisas normais que se perguntam,
acho que já disse tudo. Como é que comecei, se gosto mais de rádio, de teatro
ou de televisão. Não sabem por exemplo que eu fui uma rapariga muito tímida,
muito introvertida, tive uma vida artística que não se conciliava muito com a
ideia que as pessoas tinham de mim. Quando comecei, eu era tão fechada, tão
metida comigo, que não acreditavam que eu pudesse estar sobre um palco a
representar. Isso para mim não tem nada a ver, porque de facto é um sítio onde
eu me esqueço de que ou eu, esqueço-me um bocado das inseguranças que tenho,
porque sou insegura. Sempre fui e
continuo a ser. Mas chego ao palco e esqueço-me. Só depois de acabar o trabalho
é que fico a pensar, que deve ter sido horrível.
- Em criança era
bastante tímida. Como foi gerir essa timidez com o aumento da exposição pública?
Fiz sempre uma vida muito discreta, porque é a minha
maneira de ser, não é de atitude. Separei sempre muito a minha vida pessoal da
minha vida artística. Nunca gostei muito de festas, nem de galas, nem dessas
coisas todas, que hoje há muito mais do que havia quando eu era nova. Fugi
sempre a esse género de coisas pela minha maneira de ser, e talvez isso me
tenha preservado um pouco. Hoje em dia também há uma série de revistas que não
existiam antigamente. Faziam-nos uma entrevista e era sempre uma entrevista em
que não nos faziam perguntas indiscretas, em que isso não era explorado.
Portanto, no tempo em que eu trabalhava, não tínhamos de ter cuidado em nos
defendermos dessa forma. Hoje em dia é o que mais vende, e isso às vezes
deixa-me desgostosa.
- Que impacto teve
em si a critica que recebeu aos 14 anos?
Essa sei-a de cor. Primeiro fiquei muito orgulhosa e
segundo caiu-me uma responsabilidade imensa. Mas foi bom, visto que segui esta
carreira, isso foi muito importante. A crítica dizia “não imita ninguém, é ela
própria” e ainda hoje eu tenho o pavor de me parecer com outra pessoa. Não
gosto de imitações, uma pessoa pode até ser a melhor do Mundo, mas não me
apetece parecer com essa pessoa. Eu sou eu, digo poemas à minha maneira,
represento da minha forma. Não quer dizer que não tenha aprendido, isso é outra
coisa, mas estar a imitar A B ou C não.
- O que é que a movia
enquanto artista?
A comunicação. Penso que era comunicar com os outros, uma
coisa que eu às vezes não era capaz na vida, embora gostasse. E há muita coisa
que hoje me arrependo de ter feito, ou comunicado melhor com as outras pessoas.
Se fosse hoje eu não faria assim, teria tentado conhecer melhor as pessoas, até
porque eu tenho um fascínio pelo ser humano.
- Quando declama
poesia, consegue transmitir o peso de cada palavra. Sempre foi assim? Qual é a
importância da poesia na sua vida?
Sempre fiz por isso. Claro que a pessoa vai-se
aperfeiçoando. Primeiro é muito raro esquecer o autor que a escreveu, mas às
vezes esqueço e torno meu o poema. Mas há uma coisa que acontece sempre, é que
estou a ver aquilo que leio. É isso que eu aconselho sempre. É preciso vermos e
dar tempo para que a pessoa que está a ouvir também veja. O sentir também é
comunicação, se eu estiver a ver o que estou a dizer, com o poder de expressão,
e pausas que também são importantes, estou a dar aos outros a oportunidade de
verem também. Depois, cada um interpreta o poema à sua maneira.
- O que a levou a
ser co-fundadora da Casa do Artista?
Foi porque eu também já tinha tido essa ideia, dos anos
em que vivi em Paris. Cá em Portugal eles já tinham o terreno cedido pela
Câmara, e eu quando cheguei disse num programa de televisão que tinha essa
ideia. Quem trouxe a ideia do Brasil foi o Solnado, e disse ao Armando Cortez e
à Manuela Maria, e então falaram comigo a dizer que já tinham o terreno e
começámos. Foi engraçado porque tivemos essa ideia na mesma altura. Mas demorou
anos, porque fundámos a APOIARTE em 1986 e a Casa foi inaugurada em 1999. Mas
foi a altura própria e temos muito orgulho por termos conseguido.
- Ao contrário de
muitas pessoas, disse que tornou-se mais optimista conforme foi envelhecendo. O
que é que mudou?
Não sei bem. Eu nunca tive problemas com a idade. Cada
vez que entrava numa nova década não pensava nela. Via muita gente à minha
volta ter esse complexo, mas eu sinceramente nunca senti isso nem fiz por isso.
Portanto fui vivendo os anos e tirando partido desse facto. Talvez também
porque eu acho que não vivi bem a minha juventude. Perdi o meu pai muito cedo e
ficámos numa situação difícil e fui obrigada a crescer muito rápido. Não sei se
foi por isso que depois fiquei com uma certa juventude dentro de mim que não
foi vivida. De facto à medida que fui envelhecendo fui ficando mais jovem de
espírito. Outra coisa que também talvez me ajude, é que eu tenho muitas
fotografias minhas de época, e nunca compara aquela que eu já fui com o que sou
hoje. Porque, sem ser fisicamente até me sinto melhor hoje.
- Afirmou que
nunca viveu plenamente os momentos da sua vida. Desde que se afastou dos
palcos, tem conseguido saborear melhor a vida?
Sim. Talvez um bocado mas nunca totalmente. Acho que não
vou ter tempo para fazer as coisas todas que gostava, ler todos os livros que
gostava de ler e isso causa-me alguma insatisfação. Mas consegui ter mais do
que se tivesse a trabalhar evidentemente. Mas de facto acho que fiz bem e que
ganhei alguma coisa com isso. Li mais coisas do que teria lido, continuei a
escrever mais. Mas isto não quer dizer que eu não gostasse de fazer o que
fazia. Aliás, para trabalhar desde 1938 até 2005 só poderia gostar.
- Passados 91
anos, do que é que mais se orgulha? (o que é que a deixa mais feliz?)
Acho que consegui talvez dar alguma coisa aos outros,
dentro das minhas possibilidades ou das minhas aptidões para dizer poesia,
interpretar personagens. Pelo menos foi uma entrega total a esses trabalhos.
Também foi bom ter estado envolvida na Casa do Artista e no Teatro Aberto de
Lisboa. Mas tudo me marcou.
- É por não sentir
a idade que tem e não estar farta de si, que consegue lidar bem com o seu
processo de
envelhecimento? Para si, qual é a melhor maneira de envelhecer com qualidade?
Talvez. Não estou farta de mim, continuo a gostar dos
meus momentos de solidão. Gosto muito de estar só. Eu preciso de solidão para
mim, preciso de estar comigo. Não me aborreço, se calhar aborreço é os outros
quando falo muito. Para envelhecer com qualidade acho que o ideal é não parar,
e tentar que a nossa cabeça não pare. Tentar estar bem consigo próprio. Eu por
exemplo devia andar mais e sou um bocado comodista nesse aspecto, mas gosto é
de estar no meu cantinho a escrever, a ler, com os meus autores, os meus
escritores, os meus poetas. E gosto dessa solidão.
- Hoje em dia já
consegue ter tempo para tudo aquilo que queria fazer?
Isso não tenho nem terei nunca. O dia devia ter muito
mais que 24 horas.
- Se o mundo
estivesse calado a ouvi-la, o que diria?
Se calhar que estava farto de me ouvir. Eu comecei tão
cedo e sempre a falar, se calhar o Mundo já estará cansado de me ouvir.
Na Esplanada com Carmen Dolores
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