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Na esplanada com Glória de Matos



Glória de Matos nasceu a 30 de Maio de 1936 em Lisboa. Iniciou a sua carreira de actriz aos 18 anos e teve uma carreira brilhante no Teatro e em Cinema. Em 1972 ganhou o prémio de melhor atriz na peça “Quem tem medo de Virginia Woolf”, que viria a ser o seu grande sucesso. Trabalhou com grandes nomes da cultura portuguesa como Raúl Solnado, Beatriz Costa e Manoel de Oliveira. Foi professora no Conservatório Nacional, na Escola Superior de Teatro e Cinema e ainda hoje dá aulas de comunicação e dicção. Hoje continua a ser uma apaixonada por viagens e uma excelente comunicadora. Sentámo-nos à mesa para uma conversa sobre estes 79 anos de experiência de vida.

- O que é que as pessoas não sabem sobre a Glória de Matos?
Os atores e as pessoas que aparecem em público deixam uma imagem, e eu penso e peço a Deus que seja verdade que essa imagem que eu deixei é aquilo que as pessoas sabem de mim e não é muito longe daquilo que eu sou na realidade. Penso que as pessoas sabem exactamente aquilo que eu sou, mas vou-lhes dizer aquilo que eu me prezo de ser. Prezo-me de ser coerente, a coerência custa mas compensa. De ter tido uma grande capacidade de trabalho, de gostar das outras pessoas de conviver, de ensiná-las. Prezo de ser atriz e de ter feito um curso extraordinário. O que as pessoas não sabem são as fúrias que eu tenho quando acordo às 8 da manhã, da falta de paciência que eu tenho com algumas coisas pequenas. Algumas pessoas acham que eu sou mais boazinha do que sou.

- Prefere a praia de São Bernardino ou o ar puro do campo de Fátima?
Preferíamos a praia de São Bernardino. A minha mãe sempre teve muito cuidado a organizar as nossas férias, então passávamos um mês em Fátima e outro mês na Praia de São Bernardino que era uma praia muito sossegada. Era muito agradável e eu tenho muitas saudades desse tempo. Também gosto do campo, mas prefiro a praia, o mar é uma coisa fantástica.

- Quando é que sentiu que queria seguir a carreira de atriz?
Eu acho que sempre quis ser outras pessoas. Porventura se me dessem a escolher eu tinha escolhido ser bailarina, porque gosto do movimento, mas quando foi ocasião de me poder libertar e ser qualquer coisa era tarde para ser bailarina. Mas sempre gostei de ser outra coisa, sempre me interessei pelas outras pessoas, sempre observei as outras pessoas e tentei percebê-las. Com um grupo de amigas viemos abrir aqui a Igreja de São João de Deus, organizar os peditórios, as salas das reuniões e tudo o resto. Em baixo existe uma cripta que é do tamanho da Igreja e começámos a utilizá-la e a chamar jovens. Havia cursos de barro entre outras coisas e eu lembrei-me logo do teatro. Foi aí que começámos a trabalhar com o Dr. Fernando Amado, um homem muito importante para o teatro e a cultura portuguesa. Depois disso, saímos da Igreja São João de Deus e fomos para o Centro Nacional de Cultura. Depois por via do Dr. Fernando Amado veio o mestre Almada Negreiros e muita gente que uniu aquele grupo e fê-lo um grupo extremamente interessante, no que se tornou a Casa da Comédia.

- Lembra-se da sensação de subir ao palco pela primeira vez?
Não, a primeira vez não. Antigamente faziam-se muitas festas e nós todos fazíamos coisas e vestíamo-nos e fazíamos aquelas teatradas. Na Praça de Londres havia lá uma família que tinha um andar gigantesco e nós fazíamos lá as festas. Um dia eu apareci no suposto palco e diz a Srª da casa “Ah! O meu vestido de veludo preto!”. Tenho algumas sensações de estar no palco com gente, mas foi evoluindo. Mas nervos todos temos, e quando perceber que alguém não tem nervos, ou não é ator ou é completamente inconsciente. Se é completamente inconsciente também não pode ser ator. Toda a gente tem, agora a técnica é saber disfarçar.

- Em 1962 conseguiu uma bolsa da Gulbenkian para ir estudar para a Escola Old Vic. Que significado teve para si esse ano?
Teve um grande significado porque a Gulbenkian estava na altura a fazer um trabalho extremamente meritório. Mas para além disso, eles faziam uma triagem muito grande e eu tê-la passado já foi muito bom para mim, e depois conseguir ir para lá, estar lá e conseguir todos os conhecimentos que hoje tenho, foi muito bom. Encontrei lá a disciplina que acho que todo o artista deve ter. Em Inglaterra há uma disciplina absolutamente real, verdadeira, que nós temos de seguir, caso contrário não somos nada na nossa própria área e profissão.

- No teatro e no cinema desempenhou inúmeros papéis. O que é que a marcou tanto na peça “Quem tem medo de Virginia Woolf”?
Porque nós todos conseguimos agarrar os personagens na totalidade. Quem via aquela peça, nem sabia porquê, no fim largavam tudo para o chão e aplaudiam de pé frequentemente. A mim marcou-me porque foi a primeira vez que realmente me senti consumida por uma personagem. Digamos que por volta das 17h, aquela criatura descia, e eu só conseguia livrar-me dela lá para as duas da manhã. Era um desdobramento total. O ator desdobra-se e aparece aquela criatura,, que nós podemos ver. Lembro-me de uma vez ter tido a sensação de que a via ali, a chorar no palco. Aconteceu-nos a todos, nós vestíamos aqueles fatos, dizíamos aquelas coisas e durante duas horas e pouco não éramos nós. Isto não pode deixar de marcar extraordinariamente uma pessoa.

- Para além de atriz, foi e é também professora. Quais são os maiores desafios em lecionar diferentes gerações?
Diferentes gerações, diferentes bases de cultura. Esse é um dos fascínios destes cursos. Para mim ensinar as técnicas que sei é fascinante, até porque eu não vou dar nada às pessoas, tenho sim que tirar das pessoas tudo aquilo que elas têm de bom. Vou tentar que as pessoas percebam o que têm lá dentro, do que são capazes e como fazer.

- Que conselhos rápidos daria para que as pessoas possam melhorar a sua dicção e comunicação?
Há uma coisa muito fácil, que não cura nada mas que desbloqueia e é utilíssima. Ler em voz alta, talvez até exagerando um bocadinho na dicção. Ler muito bem todas as letras, todas as sílabas.

- É apaixonada por viagens. O faroeste continua a ser a sua viagem de eleição? Que novo destino gostaria de conhecer?
Continua. Toda aquela parte do Pacífico, que vai de cima até ao México, é uma coisa absolutamente extraordinária. Depois quem alguma vez se interessou pela literatura americana, escrita pelas pessoas que subiam o caminho dos peregrinos, por isso é que há todos aqueles nomes religiosos, San José, Los Angeles, Saint Mary, essas terras eram descritas com tal vivacidade que para mim foi um prazer enorme conhecê-las. Depois o Pacífico é lindíssimo. O que eu ainda não conheci são sítios muito quentes, e eu acho que não posso visitá-los porque sofro imenso com o calor. Mas gostava de visitar a Austrália e a Nova Zelândia, que nunca lá fui e gostava de ir. Algumas partes de África também, mas pronto, são países quentes e para mim não dá.

- Já bebeu água dum glaciar no Alasca, e já quebrou a barreira do som num avião supersónico. Se não houvessem limites à sua escolha, qual seria a sua próxima aventura?
Se não houvesse também limites à minha saúde, a aventura que eu ainda faria era uma peça de teatro sobre Stª Teresa d’Ávila. Também gostava de fazer um Safari a sério.

- Com o avançar da idade, o aproveitar o “hoje” torna-se cada vez mais um lema de vida?
É absolutamente essencial, porque nós não temos o amanhã. Nós julgamos que temos e podemos ter, mas também podemos não ter. Eu digo sempre isso, sobretudo às pessoas que falam sempre no “ano que vem”. Não é o ano que vem, é agora.

- Se o Mundo estivesse calado a ouvi-la, o que diria?
Diria que temos que criar a paz para todos e encontrar maneira de cada um criar a sua própria paz e a paz à volta de si. É a nossa função como seres
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