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Na esplanada com Henrique Neto



Henrique Neto nasceu em Lisboa em 1936. Um ávido leitor desde criança viveu a sua vida entre Lisboa e a Marinha Grande cidade onde começou a dar os primeiros passos na indústria de moldes. Fundador do Grupo Iberomoldes tornou-se num dos grandes empresários portugueses. Em 2016 foi candidato independente à Presidência da República. Recebeu-nos atenciosamente em sua casa e partilhou connosco a sua história.

- O que é que as pessoas não sabem sobre o Henrique Neto?
Sabem quase tudo. Talvez não saibam as singularidades da família, pois normalmente não falo nisso. Penso que sou quase um livro aberto. Às vezes digo demais e isso tem alguns inconvenientes.

- Que características mantém daquele rapaz que ia a ler ao lado de um burro na Marinha Grande?
A que eu mantenho certamente é a curiosidade, razão pela qual lia muito, agora já não tanto. A curiosidade de saber coisas é a característica dominante. Depois com o tempo vem alguma insatisfação que nessa altura não existia, mais interrogações e dúvidas do que quando se é jovem. Em Portugal as razões externas a cada um de nós, a sociedade em sentido amplo e a política dão-nos razões de insatisfações quase todos os dias. Quem estiver atento às informações que lhe chegam, as satisfações são poucas e as insatisfações são muitas. Não me consigo abster e costumo dizer, num tom de brincadeira, gosto muito de Portugal agradeço que não o estraguem mais.

- Que importância teve para si os momentos que passou no Sport Operário Marinhense?
Muita. Para mim foi uma escola. Era uma associação de operários naquela época, hoje já não é só de operários é de toda a gente, mas mantém características muito interessantes. Quando eu era miúdo era dirigida por um grande amigo meu, que já faleceu infelizmente, o Dr. José Varela, era um democrata e pedagogo, que exerceu uma grande influência na minha vida nessa altura. Eu estudei num curso industrial, os cursos técnicos não ensinavam línguas, e eu aprendi francês e inglês no sport operário numa escola que lá havia na altura. O que me valeu bastante depois na vida profissional como é óbvio. Para além das leituras, o confronto político, porque o sport operário era frequentemente visitado pela polícia, eu era dirigente da biblioteca com mais outros amigos, e a polícia levava livros, isso dava uma certa aprendizagem política. Ainda sou presidente da assembleia geral da associação.

- Quando o seu tio bateu na janela do seu quarto após a meia noite para lhe dar a notícia de que no dia seguinte ia começar a trabalhar no Abrantes, sentiu que esse era um passo para concretizar os seus objectivos?
Foi. Eu estava acordado, porque lia muito à noite, às escondidas da minha mãe, porque ela não gostava que eu não dormisse. Estava a ler e ele bateu à janela a dizer que no outro dia podia apresentar-me na empresa. Trabalhei lá cerca de 20 anos e passei por todos os cargos da empresa.

- Ainda guarda a máquina de escrever e o stencil dos seus tempos na MUD Juvenil? (Movimento de Unidade Democrática)
Não e tenho muita pena. Perdeu-se nas mudanças de casa, não faço ideia o que é que lhe aconteceu. Era uma Harley, muito pesada mas muito boa. Mas pronto, davam-me os textos e os stencils e eu fazia 200 ou 300 cópias e entregava-as a quem as ia distribuir.

- Aos 26 anos fez a sua primeira viagem de avião aos EUA. O que mais o impressionou no país?
Eu quase não tive tempo para olhar para o país, tive que ir trabalhar. Foi um acidente na empresa. Eu era chefe da secção de desenho, mas havia um vendedor que tinha iniciado a exportação dos moldes de Portugal, foi a ele que se deveu o início e o crescimento da indústria para além do mercado interno. Esse senhor teve um ataque cardíaco muito forte e ficou impossibilitado. A empresa entrou em queda, ele era o único a fazer exportações, a empresa já era muito grande e sem mercados externos já não sobrevivia. Quando se pôs o problema de alguém poder ir, esse senhor insistiu que fosse eu apesar de ser novito. Tive quase sempre a trabalhar, mas claro que as primeiras impressões e o que ainda hoje me impressiona nos EUA, é o sentido prático das coisas. Enquanto aqui nós complicamos tudo, eles vão directos às coisas, sem complicações, quer nas relações comerciais e industriais, quer nas relações pessoais ou até políticas. São práticos, assertivos, são confiáveis, se não sabem dizem que não sabem, se sabem dizem que sabem. Sou um fã do país reconhecendo muitos dos problemas e vícios que tem.

- Em 1975 fundou a sua empresa, mas uns anos antes não sentia essa necessidade. Ser diretor-geral duma fábrica que era a maior do mundo realizava-o mais do que ter o seu próprio negócio? Porquê?
Nunca tive muito interessado por três razões. Uma era porque ganhava bem, e quando se está bem a tendência é manter aquilo que se tem. A outra, eu era do PC, e não me agradava muito ter os problemas de ser patrão ao mesmo tempo que estava no PC, as coisas não eram muito compatíveis na minha cabeça. Por outro lado, eu gostava de viajar e o meu trabalho nessa altura já era viajar pelo Mundo inteiro, portanto estava satisfeito com aquilo que fazia, não sentia muita necessidade de fazer uma empresa.

- Na Aníbal Abrantes sentia-se orgulhoso por gerir uma empresa com 300 funcionários. Então o que sentiu quando em 2001 a Iberomoldes tinha 1600 funcionários?
A satisfação de dirigir uma empresa de 300 colaboradores que chegou a 350, é porque não havia no Mundo inteiro nenhuma empresa com aquela dimensão. Aí o mérito não foi meu, foi do Sr. Aníbal Abrantes. Quando dizem que nós na Iberomoldes tínhamos 1600 funcionários é verdade, só que nós criámos várias empresas especializadas, e por isso eram 1600 funcionários em 14 empresas, não era só numa, mas isso sim, já foi obra nossa.

- Trabalhou 59 anos seguidos, desde os 14 anos de idade. Sentiu o impacto da reforma?
Senti no bolso. Nos outros aspectos não. Quando decidi reformar-me foi perfeitamente consciente, sabia o que é que estava a fazer, não tinha grandes dúvidas. Tinha trabalhado muitos anos, não fazia grande sentido para mim continuar a fazer a mesma coisa. Quando me reformei sabia que queria escrever um livro ou dois, o que já fiz, tenho outro feito, queria eventualmente fazer alguma coisa pelo país se tivesse essa oportunidade, e também gostava de andar de barco e de ir para o mar que é o que faço agora.

- Sempre teve uma voz política activa, inclusive foi candidato às Presidenciais 2016. Se pudesse voltar atrás faria alguma coisa diferente na sua candidatura/campanha?
Eu às vezes pergunto isso a mim próprio. É um bocado infrutífero, porque por um lado não se pode voltar atrás, mas as circunstâncias são o que são. É evidente que uma pessoa, na campanha em concreto, poderia ter feito doutra maneira, mas o problema é que eu nunca tinha feito uma campanha política. Esta campanha foi uma aprendizagem, um mês depois já sabíamos que tínhamos feito coisas que talvez pudessem ser feitas doutra maneira. Agora é evidente que olhando para trás, eu digo que se soubesse teria feito diferente, mas não adianta grande coisa porque eu na altura não sabia.

- Diz que não está velho para fazer o que quer.
Ou então, sou suficientemente velho para fazer o que quero. O que eu quero dizer com isso é que já não estou para aturar tudo. Quando somos novos às vezes temos que manter a bola baixa, temos patrões, chefes, família, pais avós, temos de manter a bola baixinha. Quando se chega a uma certa idade, já não temos pais nem avós, temos filhos e netos portanto são eles que têm de manter a bola baixa.

- Já viajou pelo Mundo inteiro. Qual é o seu destino favorito e porquê?
Nova Iorque. O primeiro sítio onde fui… tem piada. Adoro Nova Iorque. Costumo dizer por brincadeira que já vi igrejas que cheguem. Quando digo igrejas digo museus, instituições etc. Quando vou a Nova Iorque, aquilo que gosto e sempre gostei, é a probabilidade de vermos sempre alguma coisa nova, alguma coisa em que nunca tínhamos pensado.  

- De todos os livros que já leu qual foi o que mais o marcou ou o mais importante?
Em todas as épocas há livros importantes. O “Choque do Futuro” do Toffler foi muito importante na minha juventude. Um que eu considero também muito importante é o “Porque Falham As Nações”. Dois livros de Kissinger, um “Sobre a China” e um outro sobre estratégia. Já leio pouco romances e interessam-me principalmente os livros que falam do futuro, que não se limitem apenas a falar dos problemas de hoje. Dos livros clássicos, tudo o que é Padre António Vieira.

- Diz que não lhe importa o dinheiro, que a sua ambição sempre foi fazer obra. Como gostaria de ser recordado?
Como um homem bem-intencionado. Procurei fazer o melhor pelo meu país e pela Iberomoldes. Todos os anos aumentávamos os ordenados, criámos uma escola profissional e
às vezes ainda encontro pessoas que lá trabalharam e dizem que foi o melhor trabalho das suas vidas. Isso deixa-me satisfeito.

- Se o Mundo estivesse calado a ouvi-lo o que diria?

Que é necessário que o Mundo comece a pensar no futuro.
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