Desde miúdo que uso uma expressão que assinala a condição humana de
muitas pessoas, e que sempre me marcou. Para mim funciona como um lembrete do
sortudo que sou, mesmo nos dias em que o ego me faz pensar ser a pessoa mais
azarada do Mundo. Todos nós passamos por isso, mas essa expressão serve sempre
para me trazer de volta à realidade. A expressão é “potencial desperdiçado”.
Selectiva é algo que esta condição humana não é. Qualquer pessoa de qualquer
etnia, idade, nacionalidade, religião ou condição social está sujeita a ser
vitima de viver uma vida onde todo o seu potencial é negligenciado,
menosprezado e, por fim, desperdiçado. Claro que o facto de não ser selectiva
não implica que não tenha as suas inclinações, e normalmente as pessoas mais
pobres são sempre as mais susceptíveis a viver nesta condição.
Como qualquer outra pessoa, conheço quem assim seja. Aquele que se
perdeu nas drogas, ou que se tenha conformado com um trabalho que não lhe dá
prazeres nem alegrias, quem levou uma rasteira da vida, quem foi possuído pela
loucura, aquele que, por mais talentoso que seja, não tem confiança própria nem
auto-estima suficiente para acreditar que é capaz, ou até quem afoga no álcool
a sua própria infelicidade. Aquela pessoa cheia de potencial mas que morreu
demasiado nova, ou aquela que encontrou no crime o seu sustento, e chama à
prisão a sua primeira casa.
Com todas essas pessoas eu lamento, e com todas elas eu aprendo. E é por
isso que cada vez que testemunhamos a humanidade no seu melhor, emocionamos-nos
com aquilo que vemos, seja pela auto-superação de um atleta olímpico ou pelo
gesto carinhoso e altruísta de alguém que se arrisca para salvar um animal.
Qualquer coisa que nos orgulhe no Ser humano, enche-nos de esperança de que um
dia, talvez todos nós possamos viver ao máximo das nossas capacidades, com a
garra e a auto-superação de um atleta, e a humildade de quem não acha a sua
vida mais valiosa do que a de qualquer outra pessoa. Mas o que é que terá isto
a ver com envelhecimento ativo?
Mais do que acreditar, eu tenho a certeza que ainda não percebemos o
quão sortudos somos por hoje em dia existir a noção de envelhecimento ativo.
Inclusive tenho a certeza absoluta de que ainda não fomos capazes de transmitir
ao certo no que consiste o envelhecimento ativo, e em demonstrar a sua
importância. Mas como eu disse anteriormente, o “potencial desperdiçado” não é
selectivo, e todas essas pessoas eu lamento e com elas aprendo. Há uns anos
atrás, antes de existirem quaisquer opiniões formadas sobre envelhecimento
ativo, as pessoas ficavam à mercê do destino. Após a reforma, mantinham-se
ativas quem tinha o inconformismo nos genes, que se entediava com o próprio
tédio e arranjava sempre coisas para fazer. Mas quando vejo com os meus
próprios olhos a debilidade e vulnerabilidade daquelas pessoas a quem o
envelhecimento não sorriu, tenho por elas carinho e vejo nelas uma grande
lição. Sei que muitas delas tiveram uma vida dura, que muitas delas começaram
desde novas com trabalhos pesados que hoje são feitos por máquinas e que pior,
quando chegaram à idade da reforma, nada as preparou. A norma não era manter-se
saudável, era sim esperar o menos de doenças possíveis. Aqueles que, em tempos
foram homens e mulheres fortes e capazes, foram apanhados na rede de um
envelhecimento desperdiçado.
Toda uma geração inteira cheia de saber e valor que espera pela hora em
que já nada pode fazer perante a dor e a doença. São essas pessoas que nos dão
alento para continuarmos a nossa missão na REVIVER, para continuarmos a
promover o envelhecimento ativo, porque elas merecem. Que as suas debilidades
sejam um exemplo para nós, assim como foram as suas forças. Elas são a geração
desperdiçada pelo envelhecimento ativo, os mártires do envelhecimento ativo,
nós, os ainda capazes, devemos dignificá-las e viver a nossa vida ao máximo,
não desperdiçar o nosso potencial.
Por: António Ramos
Editorial: A geração perdida do Envelhecimento Ativo
Reviewed by Unknown
on
04:39:00
Rating:
Sem comentários: