Se existem pessoas que fazem da reforma um motivo para
continuarem com os seus sonhos, José Ribeiro sem dúvida que é uma delas. A
música sempre foi o seu sonho, mas nunca a sua profissão. Aos 55 anos,
confrontado com uma situação de reforma antecipada, o antigo trabalhador da
Rodoviária Nacional aproveitou o momento e o tempo livre para o ocupar com
aquilo que mais gosta, a música. Hoje aos 64 anos, é fundador e membro da banda
Shine On, grupo de tributo a Pink Floyd.
A PAIXÃO PELA
MÚSICA
Natural da Bobadela, em Oliveira do Hospital, era lá que
admirava o Sr. Ernesto, que tocava concertina. Foram as habilidades de Ernesto
que incentivaram José Ribeiro a querer também ele tocar. “O meu pai como não tinha possibilidades, nunca me comprou
uma concertina, então a minha irmã comprou-me uma harmónica e foi esse o
primeiro instrumento que aprendi a tocar” diz-nos. A sua paixão pela
música nasceu aí, na sua aldeia, mas as suas influências musicais vêem mais
tarde.
Aos 15 anos, cansado do trabalho agrícola, José Ribeiro
arranja trabalho em Lisboa, e como tantos outros portugueses, sai da aldeia,
recém-chegado à cidade. Outro movimento, outro andamento, outras
possibilidades, culturas e influências. “Quando cheguei
a Lisboa comecei a ter contacto com outras pessoas, a fazer outros amigos, que
tinham outra cultura. Tudo malta que ouvia Beatles, Pink Floyd, Rolling Stones,
Santana, Bee Gees, e eu comecei a ouvir essa música também.” Foi em
Lisboa que entrou para a Escola Vitorino Matono, onde começou a aprender a
tocar órgão, instrumento que o levou a ter vários conjuntos musicais, até ser
chamado para a Guerra do Ultramar.
MOÇAMBIQUE E O
HOTEL ZAMBEZE
Não muito antes do 25 de Abril de 1974, José Ribeiro,
destacado em Moçambique procurava manter os estudos, e acima de tudo, não
perder o contacto com a música. Aproveitou uma escola que tinha sido criada para
terminar o 2º ano de liceu. Foi graças a essa escola que, juntamente com três
colegas de tropa manteve um conjunto musical, para animar as noites de
Moçambique. Com os instrumentos emprestados pela escola, os quatro podiam
ensaiar, e aproveitaram o espaço da boate do Hotel Zambeze para darem os seus
espectáculos. Uma forma de aquecer ainda mais as já noites quentes de África,
de trocar o som dos tiros por notas musicais, as trincheiras por pistas de
dança. Pouco tempo depois voltou para Portugal, onde foi então aprender a tocar
piano, tecnicamente diferente e mais difícil do que o órgão.
SEMPRE A APRENDER,
PRONTO A ENSINAR
Ao longo da vida José Ribeiro aproveitou sempre os seus
conhecimentos e oportunidades para aprender mais ainda. As novas oportunidades
deram-lhe a possibilidade de terminar os seus estudos. Foi através delas que
terminou o 4º ano, depois fez um curso de inglês, e a seguir fez o 12º ano. “Eu era o mais velho da turma, e os mais novos andavam sempre
a queixar-se. Eu dizia para eles não andarem contrariados porque ao menos
estavam a aprender” afirma o músico. Os seus conhecimentos de música não
ficaram limitados a poucos instrumentos, muito pelo contrário. José Ribeiro é
um autodidacta, aprendeu a tocar viola sozinho, saxofone, e concertina, o
primeiro instrumento que o fascinou. É capaz de tocar muitos outros
instrumentos justificando esta capacidade com o conhecimento musical que
adquiriu ao longo de 48 anos ligado à música. “A música é igual para todos os
instrumentos, o que é preciso aprender são as escalas e como se fazem as
harmonias, depois é praticar”.
Trabalhou como escriturário, taxista e depois camionista
durante 19 anos para a Rodoviária Nacional, um trabalho do qual não gostava mas
que, segundo José Ribeiro, não era mal pago, tinha boas regalias e a empresa
era segura até ter sido privatizada. Quando aos 55 anos, graças a uma
reestruturação empresarial, foi para a reforma antecipada, podia ter sido um
momento turbulento para José, mas de novo a vontade de fazer e aprender, e
sobretudo a música não o deixaram ficar mal. “O meu filho Sérgio é licenciado
em educação musical. Era professor numa escola e não conseguia ficar com todas
as turmas, então ele disse que conhecia alguém que podia ajudar”. O que poderá
ser melhor do que aliar 48 anos de conhecimento musical, a não ser transmiti-lo
aos mais novos? José Ribeiro aceitou de bom agrado o desafio que o filho lhe
lançou e começou a leccionar turmas do 1º ao 4º ano, destacando a importância
que a educação musical pode ter no desenvolvimento das crianças. Humilde o
suficiente para reconhecer que apesar de todo o conhecimento prático e teórico
que possuía, isso não basta para ensinar alguém, principalmente crianças. Com a
ajuda dos livros de curso do filho, José aprendeu todas as especificidades
técnicas da pedagogia. “Tive de aprender a ensinar as
crianças na escola. É preciso paciência e nem toda a gente tem essa paciência.
Com as crianças é preciso uma certa pedagogia para as ensinar, disciplina,
mantê-los interessados, contar histórias etc, todas as coisas que fazem parte
do ensino musical, que eu aprendi com o meu filho e com os livros que ele lia”
diz-nos. Chegou a dar aulas em 2 escolas públicas e 3 privadas. Hoje em dia,
para muita pena de José Ribeiro, a crise levou os alunos da privada para as
escolas públicas, e essas acabaram com a educação musical. “O que é engraçado é que na Constituição da República a
música faz parte do currículo” comenta o músico.
SHINE ON
Entre todos os músicos e bandas, nacionais e
internacionais que são uma referência para José Ribeiro, a sua voz não treme ao
dizer que Pink Floyd é a sua favorita. Deparado com um anúncio para fazer parte
de uma banda de tributo a Pink Floyd, resolveu tentar, mas a falta de seriedade
com que abordaram o projecto não lhe agradou. Foi então que decidiu fundar os
Shine On, juntamente com o seu filho, uma banda com o objectivo de reproduzir o
mais fielmente possível a banda que tanto admira. Com concerto marcado para as
festas do Cartaxo em 2015, a banda já deu alguns espectáculos pelo país, sendo
que o concerto que o marcou mais foi o de regresso às origens, tocar Pink
Floyd, com a sua banda Shine On, no coliseu da sua aldeia, a Bobadela, uma
terra cheia de vestígios romanos em Oliveira do Hospital.
Para além da sua banda, José Ribeiro mantém-se ativo na
música. Com um reportório com mais de 300 músicas, tanto pode animar festas
populares, apesar de não ser o que mais gosta, como atuar em ambientes mais
clássicos e formais. A partir de Junho vamos poder encontra-lo ao piano, a
tocar as mais belas peças de Chopin, Beethoven, Frank Sinatra e muito mais, no
restaurante do Hotel Estoril Éden. A nós deixou-nos um ar da sua graça, da sua
veia musical, pegou na sua viola e cantou-nos temas de Zeca Afonso e de Rui
Veloso, depois mostrou-nos as habilidades ao piano, e ainda despedimo-nos com o
som bonito e profundo do soprano, uma espécie de saxofone um pouco mais
pequeno.
Certamente não será a última vez que o vamos ouvir, e
José Ribeiro mostra-nos como a reforma pode ser a porta dum sonho.
MÚSICA NAS VEIAS
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