Em Portugal existem todo o
tipo de lares e residências para seniores. Mas há um específico, onde ter arte
nas veias é um requisito, e envelhecer não é permitido. Tudo nasceu dum sonho,
e foram 20 anos dedicados a esse sonho que tornaram possível, aquela que hoje é
conhecida como a “Casa do Artista”.
Movidos pela curiosidade, fomos conhecer esta, que é uma casa para mais
de 70 pessoas, e sem dúvida um pilar importantíssimo na sociedade portuguesa, e
na vida de pessoas que foram envolvidas pela arte e à qual se dedicaram de
corpo e alma.

Segundo Manuela Maria, atriz
portuguesa e diretora da Casa do Artista, se há uma pessoa que conhece todos os
cantos à casa, é o Sr. Teixeira, chefe da manutenção, que nos recebeu com uma
amabilidade e disponibilidade que lhe são próprias, como mais tarde viemos a
testemunhar. Encontrámo-nos na recepção prontos para uma visita guiada, mas
numa coisa o Sr. Teixeira não cedia. Para se conhecer esta casa, começa-se por
fora, pelos jardins. E assim foi, da recepção dirigimo-nos para o jardim. Mas
se era verdade que o Sr. Teixeira conhecia a Casa do Artista como quase
ninguém, nós quisemos saber que circunstâncias o levaram lá.

“
A Dona Manuela
Maria fez-me um convite para trabalhar aqui durante 1 mês para substituir um senhor
que ia fazer uma pequena cirurgia mas que infelizmente não correu muito bem”.
Dado esse infortúnio, foi convidado a ficar e não foi capaz de recusar. “
No outro lado onde estava, tinha trabalhar
noites por turnos e fins-de-semana. Aqui é um horário fixo, só quando acontece
alguma coisa de anormal é que temos de vir, mas isso faz parte do trabalho”.
Foram as condições oferecidas que o levaram a aceitar, mas foi o trabalho que o
mudou enquanto pessoa, e agora com quase 64 diz que continua a aprender todos
os dias, naquela casa a que se dedica a manter. “Para mim foi como nascer de
novo. Foi um aprender, como sentimentos e ternura. Coisas que se eu não tivesse
passado por isto e entrado numa casa destas, nunca eu iria viver”,
confessa-nos.

Depois
de uns minutos à conversa, sentados à sombra num dos bancos do jardim,
começamos então a nossa visita guiada, e o primeiro sítio que o Sr. Teixeira
nos leva a conhecer é o edifício com as salas de formação. É constituído por 3
andares, só com salas que a APOIARTE (Associação de Apoio Aos Artistas) aluga a
diferentes tipos de valências. Duma das salas, se apurássemos o ouvido,
podíamos ouvir um piano a ser tocado. Naquele edifício, davam-se vários tipos
de aulas, como ballet, canto, dança, entre workshops de guionismo, socorrismo e
outros tipos de formação. De seguida, acompanhámos o Sr. Teixeira à sala de
fisioterapia, um espaço amplo com vários aparelhos para fazer exercício, e um
espaço reservado para intervenções fisioterapêuticas que requerem mais
privacidade. Enquanto uma das residentes fazia fisioterapia, exercitando-se na
bicicleta, passámos por ela, cumprimentando-a sorridente, e o Sr. Teixeira
mostrou-nos o gabinete de psicologia, onde os residentes podem visitar e falar
com uma psicóloga caso sintam necessidade disso.

A
importância e relevância da Casa do Artista são claras, e todos os anos de luta
até à realização deste projecto não foram em vão. A Casa dá abrigo, apoio e
todas as condições não só aos artistas, mas também àqueles que dedicaram a sua
vida para que a arte pudesse ser realizada, como é o caso de costureiras, que,
fora dos palcos representam um papel imprescindível para o teatro. “
Conheço aqui pessoas que infelizmente têm
uma reforma muito pequena. Outras que não tinham família, e nós empregados é
que somos a sua família. Esta é casa que os acolhe, com carinho, onde não lhes
falta absolutamente nada” diz-nos o Sr. Teixeira.
Aqui, todas as pessoas
são extraordinárias e todas são precisas, mas temos aqui um cérebro nesta casa
que é a Srª Manuela Maria, que é formidável. Todos estão envolvidos, mas há
pessoas que se envolvem mais. Esta Srª todos os dias está cá, tem residência
fora mas vive cá. É uma pessoa que está sempre inteirada dos problemas, das
necessidades, sempre pronta para ajudar, seja a que hora for. Ela é a própria a
dizer, “Se o problema ou a circunstância assim o exigirem, venham cá, sejam às
horas que forem”. Um dia que esta Srª já não possa aqui estar, esta casa tem
muito a perder. Ela é o pulmão desta casa”. E claro, lá estava Manuela
Maria, sentada à secretária a trabalhar, mas que prontamente se disponibilizou
para uma breve conversa. Tendo a Casa do Artista como assunto principal, a
atriz, fundadora e directora da casa realçou a tremenda responsabilidade que é
quando tantas pessoas depositaram a sua confiança, fé e dinheiro no projecto,
muitas dessas pessoas mesmo quando ele não passava dum sonho. De todos os
benfeitores, um dos quais Manuela Maria não esquece é Albino Morais, um
bailarino clássico que, ainda a Casa do Artista era um sonho, e só existia o
terreno, e o bailarino deixou todo o seu testamento para o projecto. Veio a
falecer pouco tempo depois, ainda novo, mas a Casa do Artista nunca o esqueceu,
e eternizou-o com uma escultura em sua memória.

A
Casa do Artista, para além de todas as condições, procura também dar toda a
liberdade possível e adequada a cada um dos residentes, respeitando as suas
individualidades e personalidades. Sem prepotências, este facto é claramente
visível no refeitório, onde apesar de estar estipulado um horário para as
refeições, os residentes têm liberdade de escolher qual a hora a que preferem
comer, dentro desse horário de serviço. Também as salas de estar são um exemplo
claro do respeito que existe na Casa do Artista pelas individualidades. São
duas e estão situadas junto à recepção. É verdade que a dimensão e o tamanho
destas duas salas de estar são diferentes, mas o que as difere principalmente é
que uma é para fumadores, e outra para não fumadores. Na Casa do Artista uma
coisa é certa, arte não falta e essa está bem visível, acompanhando toda a
extensão do corredor, ocupando espaços outrora em branco com quadros,
fotografias, caricaturas. Ao fundo do corredor está a biblioteca, onde os
livros não faltam, e dentro da biblioteca o Gabinete da Direcção. O Sr. Texeira
não consegue esconder a admiração que tem pela pessoa que trabalha dia após dia
nesse gabinete. “

Depois
de nos despedirmos de Manuela Maria, continuámos a nossa visita, sem que antes
a directora brincasse com o Sr. Teixeira, porque, se é verdade que o Sr.
Teixeira considera a visita ao jardim algo indispensável, para Armando Cortez,
com quem foi casada muitos anos e também um dos fundadores da casa,
indispensável era mostrar com muito orgulho o parque de estacionamento. Mais
tarde soubemos porquê, mas entretanto, continuámos a seguir o nosso simpático
guia, que nos mostrou agora, à saída da biblioteca uma pequena capela, onde os
residentes podiam expressar a sua fé, e logo a seguir, a sala de espera para a
enfermagem e para o consultório médico. Na sala de espera estava um piano, que
já não era o primeiro que víamos. Curiosamente o Sr. Teixeira não nos soube
dizer quantos eram ao todo, mas haviam vários pianos dispostos pela casa, e
segundo o chefe da manutenção, era normal alguns dos residentes alegrarem a
casa com o som desses pianos.

O
elevador levou-nos ao último piso, um dos três onde se situavam os quartos. Na
Casa do Artista existem quartos individuais, ou de casal, todos com o espaço e
as condições adequadas para que quem lá reside se possa sentir confortável.
Segundo o Sr. Teixeira, a Segurança Social quando viu os quartos individuais,
quis que estes eram suficientemente amplos para albergar duas ou até três
pessoas e seria, se a intenção da Casa do Artista fosse conter um amontoado de
pessoas. É verdade que os quartos eram amplos, e podiam até levar mais uma
cama, mas a troco de quê? Assim, nós próprios pudemos testemunhar que, sem ser
em excesso, existe espaço para que aqueles que lá dormem possam sentir-se à
vontade, para circularem livremente, e inclusive para ser prestado um apoio
adequado, por exemplo, no caso de ser necessário uma maca. Conforme íamos
percorrendo o bem iluminado corredor dos quartos, passa por nós uma senhora
sorridente que cumprimenta o chefe da manutenção com um “boa tarde Teixeirinha”
e segue o seu caminho. “
Nós começamos a
ligar-nos, mesmo que não queiramos, e no fim já sinto isto mais do que como um
trabalho. Às vezes não temos o tempo necessário que é preciso para dar mais um
bocadinho de atenção. Basta uma palavra ou perder só dois ou três minutos a
falar com eles que ficam logo todos contentes. Faz mesmo a diferença”
diz-nos, e talvez seja por cumprimentos como este que o Sr. Teixeira diz que
aquilo que guarda com mais carinho dos seus momentos na casa, é o agradecimento
que os residentes têm com ele. “Há pessoas que têm uma maneira de
agradecimento, um sorriso, qualquer problema, às vezes mínimo que se resolva e
ficam todos contentes. Basta uma pequena coisa que para eles é muito
importante. Os restantes pisos eram semelhantes, à excepção do 1º que tinha a
chamada “Sala Azul”, também uma sala de estar, mas mais reservada, utilizada
para quem queria trabalhar ou estar com um maior sossego. O Sr. Teixeira
diz-nos que é onde costumam ser gravadas as reportagens ou as entrevistas, e
também neste espaço havia um piano.

De novo no elevador, descemos
até à lavandaria, com máquinas de lavar industriais, onde se lida com tudo o
que é relativo às roupas dos residentes, para que mais uma vez não lhes falte
nada. Aqui é também onde está o Parque de Estacionamento, e percebemos o porquê
de, numa cidade como Lisboa, onde o estacionamento é escasso, caro, e
controlado em grande parte pela EMEL, tenha sido este um dos orgulhos de
Armando Cortez, porque era de facto bastante extenso. Por apenas 1 euro por
dia, o carro podia ser lá estacionado até às 21h, e os alunos da Universidade
Europeia eram os primeiros a tirar partido dele. Atravessámos o parque e o Sr.
Teixeira levou-nos até à galeria Raúl Solnado, e nós, sendo a primeira vez que
lá estávamos, nunca tínhamos imaginado que fosse tão extensa. Apesar de não
estar a decorrer nenhuma exposição em concreto, muitos dos expositores tinham
recortes e memórias de momentos e notícias sobre a casa, como por exemplo, uma
das várias visitas de Amália Rodrigues. Momentos que criavam um certo ambiente
nostálgico, mas positivo. A galeria era também utilizada com outros propósitos
e eventos, como lançamentos promocionais, coffee breaks, cocktails ou festas de
aniversário.

Adjacente
à galeria, estava reservado o último cantinho da Casa do Artista para nós
visitarmos, o Teatro Armando Cortez, e era lá que estava a trabalhar a equipa
do Sr. Teixeira, lidando com a manutenção das cadeiras do teatro. E caso tenham
tratado de todas, ainda foi uma carga de trabalhos, porque o Teatro Armando
Cortez conta com 342 lugares, para além de um palco bastante amplo que estava
decorado com o cenário duma peça ainda por ser estreada. É tecnicamente muito
completo, o que lhe dá todas as condições para ir mais além de peças de teatro
e poder receber também seminários, conferências, congressos entre muitas outras
coisas. Olhando para este Teatro, para esta Galeria, para esta Casa, sem dúvida
que a memória dos seus fundadores, benfeitores e todas as pessoas envolvidas
que já cá não estão foi honrada, através da sublime realização daquilo que
começou como um sonho, e que deveria ser hoje vista como um estudo de caso, um
exemplo a ser replicado pelo Mundo fora, para que aqueles que já vivem na corda
bamba ao procurar a virtuosidade das artes, possam ter um porto seguro em fases
mais avançadas das suas vidas, mantendo-se entre artistas, como uma família.
Quanto
a nós, agradecemos ao amável Sr. Teixeira por ter tido a paciência de nos fazer
uma visita guiada completa, com uma despedida de quem irá certamente voltar à
Casa do Artista, nem que seja para assistir a uma peça de teatro.
Sem comentários: