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Na Esplanada Com Manuela Maria



Maria Manuela Guerra Lima Cortez e Almeida, “Manuela Maria”, nasceu em lisboa no dia 26 de Janeiro de 1935.É a atriz portuguesa no ativo que conta com mais anos de carreira e nunca recusou um papel. Esteve na rádio, nos palcos de inúmeros teatros, observámos o seu desempenho em muitas novelas e também em cinema. Manuela Maria já venceu duas vezes o cancro da mama e tem uma energia positiva que contagia tudo e todos. Aos 80 anos a atriz continua em gravações e a dirigir a Casa do Artista, onde nos recebeu com boa disposição pronta para responder às nossas perguntas.

- O que é que as pessoas não sabem sobre a Manuela Maria?

Tudo, sabem tudo. Eu estou nisto de 1958 e eu não sou de esconder nada, nem sequer é possível, numa posição pública como a minha. Se nós não dizemos, eles sabem. Sabem que me casei, que tive um filho, que me estreei em 1958, sabem tudo. Eu costumo dizer, vão à internet que está lá tudo.

- O que é que levou uma menina de 5 anos a subir ao palco pela primeira vez?

Porque era filha de artistas. Como outros colegas meus, que estão em Lisboa e também vieram da província de companhias itinerantes. Essas companhias, faziam itinerância de 31 de Dezembro a 31 de Dezembro, não paravam. Tinham o seu próprio teatro desmontável e eram companhias de profissionais que trabalhavam em sociedade artística, não havia empresário. Portanto os meus pais eram artistas e eu nasci numa companhia, assim como outros, como o Tony de Matos, a Eunice Muñoz, o Camilo de Oliveira. Todos tinham a vontade de sair da província e vir para Lisboa.

- Que memórias guarda com mais carinho dos tempos em que estava nas companhias itinerantes?

Guardo todos os momentos. Eu saí das companhias itinerantes aos 21 anos, quando vim para Lisboa. Portanto são tudo recordações boas, familiares naturalmente. Não éramos todos uma família, mas haviam grupos que nos conhecíamos desde que tínhamos nascido, e os pais há anos que se conheciam porque já tinham casado ali. Enfim, um Mundo que vivia o teatro. Aí vivia-se o teatro.

- A Manuela Maria sempre foi uma profissional muito versátil. Fale-nos um pouco desde a jovem que perguntou ao Ruy de Carvalho se não queria uma caixa de fósforos aos papéis mais relevantes da sua carreira?

Essa pergunta ao Ruy de Carvalho foi uma peça que eu fiz no Monumental com a Laura Alves e embora eu trouxesse uma carteira profissional de artista dramático da província, em Lisboa comecei com papéis de figurante. Cheguei de forma natural aos papéis de maior relevo, nunca recusei um papel e ainda hoje não recuso, porque foi assim que aprendi na província. Lá tanto fazíamos a figura principal como fazíamos figuração. Isso nunca me fez confusão e acho que é óptimo. Quem insistiu que eu viesse para Lisboa foi o Vasco Santa, que viu-me fazer a Teresa do “Amor de Perdição” e convidou-me. A minha carreira a partir daí tenho a agradecer ao Vasco Santana, e é por isso que eu sou Manuela Maria, porque oficialmente chamo-me Maria Manuela. Havia uma rapariga que se estreou na companhia do Vasco Santana que também tinha esse nome, e ele disse “Deixa lá, ficas Manuela Maria que não tem mal”. Fui fazendo chefes de quadro, mas foi na peça “Gente Nova em Bikini” que eu fiz realmente o meu primeiro trabalho de atriz em Lisboa.

- Teve um sabor diferente o café que bebeu no Cubal? Porquê? (Fale-nos desses tempos em África)

Ah pois teve! Àquela hora da madrugada! Essa também é uma história interessante, tenho muitas assim de África. Bem, elas são muito importantes na altura pelo momento em que se vivem e que depois recordamos com muita piada, mas que contado não tem tanta graça. Dessa vez nós saímos do Lobito para Nova Lisboa, mas para se aproveitar e fazer um espectáculo no Cubal, atrelava-se um vagão com todo o material de teatro e uma carruagem connosco. Quando parámos no Cubal desatrelaram as duas carruagens e o comboio seguiu. Às duas da manhã passava outro comboio, tornávamos a atrelar tudo e lá seguíamos nós para Nova Lisboa. Até que às 4 da manhã, vínhamos todos a dormitar ao balanço do comboio, até que ele parou. Fui ver, uma imensa selva à nossa volta, sem ninguém, e havia um apeadeiro de chapa de zinco. Ninguém queria sair do comboio, e eu já estava farta de dizer que me apetecia imenso um café. Apareceu um senhor, e eu perguntei-lhe o que tinha acontecido. “Um embondeiro na linha” disse-me ele. Os embondeiros são árvores que são abraçadas por 10 homens, coisas monstras. E eu com o ar mais disparatado, como se estivesse na Av. de Roma perguntei-lhe onde é que se podia tomar ali um café. E ele respondeu, “só se for em minha casa”. Então é aí respondi eu, e levou-nos a todos para tomar o café na cubata dele. Foi duma extrema simpatia, deu-nos café e bolachas. Ainda quisemos pagar mas eles não aceitaram.

- Tendo dirigido os atores dos Morangos com Açúcar, que diferenças é que consegue identificar entre a sua geração e a desses jovens?

Algumas. Primeiro porque não entrávamos da mesma maneira. Hoje entra-se através da televisão, e ainda bem que assim é porque dá trabalho a muita gente, mas ali não se pergunta nada. Faz-se um casting e depois começa-se a trabalhar. Na minha altura era diferente. Por exemplo, eu tinha carteira profissional e nunca disse nada, e estava no lugar de estagiária com pelo menos 15 anos de palco. As companhias só podiam ter 2 estagiários e eu durante dois anos fui sempre como estagiária, até que disseram que queriam meter outro estagiário mas não podiam. Aí é que eu disse que tinha carteira de artista dramática, porque podia ser mal interpretada, pretensiosa e não queria. Ficaram muito espantados quando souberam que eu tinha uma carteira, mas eu nunca fiz uso disso. Mal de nós se nos refugiamos nessas coisas para nos valorizarmos. Temos de nos valorizar pelo trabalho que fazemos e pela avaliação dos outros que sabem mais do que nós.

- Como é trabalhar com os atores mais jovens?

É bom. Eu gosto de trabalhar com eles e tenho muito boas referências. Aprende-se muita coisa com eles, se nós quisermos e se não formos o velho do Restelo. Ensinamos e depois também aprendemos com eles.

- Aos 80 anos o que é que ainda a faz corar?

Pouca coisa. Corava muito para dar as boas tardes. Por exemplo, para cumprimentar a Laura Alves ficava corada como um tomate. Nunca na minha vida pensei que ia representar com ela. Hoje em dia acho que já nada me faz corar.

- A Casa do Artista foi uma luta intensa por parte dos seus fundadores. Hoje em dia, como é gerir esta casa?

O que é normal. Eu não valorizo muito essas coisas, aceito-as. Eu e a Carmen [Dolores] andámos 20 anos a encontrar-nos praticamente todos os dias com o projecto da casa. O terreno, os arquitectos, os engenheiros, como é que se constrói uma coisa destas, o dinheiro que é preciso, e agora é preciso ir a este ministro. Todo este trabalho aqui dentro, os órgãos sociais, fazem isto em voluntariado, nunca ganharam um tostão. Está mesmo nos estatutos, e temos de continuar com a nossa profissão. Agora os próprios estatutos dizem, que o secretário da direcção, que é o meu cargo, substitui o presidente nas suas ausências, e como o presidente não está, fico eu encarregue sem virar a cara à luta. Acho até que foi uma missão que me foi deixada.

- Acredita que o mundo é regido por energias. Como é que consegue manter essa energia positiva que tantos falam?

Não sei. Eu também não valorizo isso. Fui sempre assim, desde que me conheço, não valorizava as coisas más. Separo as coisas boas das más e são as boas que eu quero valorizar. Como toda a gente, na minha vida privada tive problemas, desgostos, sentimentos que são meus e onde ninguém toca, mas eu não choro nem dramatizo.

- Aos 80 anos continua a gravar e a dirigir a casa do artista. Consegue ver a sua vida de outra forma? (Já pensou em parar?)

Não. Sempre trabalhei. Aqueles 20 anos em que trabalhámos no projecto, e isso eu gosto sempre de acentuar, fizemo-lo com alegria. Claro que em 20 anos surgem muitos problemas, de toda a ordem.

- Se o mundo estivesse calado a ouvi-la o que diria?


Com certeza o Mundo não me queria ouvir. Mas acho que devia haver mais igualdade e mais solidariedade. 
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