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Crónica : Carta à minha avó Lucinda

Nasceste sem um berço para te aconchegar, cresceste e tornaste-te mulher sem qualquer tipo de orientação. Trabalhaste arduamente e conseguiste colher poucos frutos para ti, naquele campo imenso, que queimou a tua cheirosa pele, tão áspera mas tão meiga. Constituis-te família, casaste e tiveste 5 belos filhos. Desde esse dia que vives para os outros, tiras pão da tua boca para dar a quem precisa, mesmo que tenhas que abdicar de comer uma refeição. Ajudares o próximo, preocupares-te com os outros, dar o pouco que tens sem pedires nada em troca, sem dúvida que é isso que te caracteriza, bondade infinita.

Desde que o avô partiu que fechaste o teu coração a sete chaves. A vida deixou de fazer sentido para ti. Esqueceste-te que tu não partiste e que ele odiaria saber que te deixaste afundar em mágoa e ódio, quando tu sempre foste amor e alegria.
Nunca me esquecerei do dia em que te levei comigo a fazer voluntariado. Foi o dia em que voltei a ver o brilho no olhar da minha avó que sempre foi o meu orgulho. Conseguiste perceber que tinhas que ultrapassar a dor, porque as pessoas nunca nos deixam enquanto tivermos memória, elas existem em nós.

Hoje vejo-te sorridente a ajudar os outros de novo. Aos 80 anos continuas a iluminar todos com a tua boa disposição e energia. É engraçado, que após 40 anos de convívio, há uma semana ouvi-te pela primeira vez dizer que tinhas projectos definidos para ti. Anunciaste com orgulho que vais aprender a mexer em computadores, porque são a fonte do conhecimento actual e tu queres ser uma pessoa mais informada.

Nunca te ouvi dizer que gostavas de aprender algo, de ter isto ou aquilo. Sempre que falavas em sonhos, desejavas para todos e nunca só para ti… Por isso, é com todo o orgulho que te felicito e incentivo a fazeres tudo aquilo que queres, porque chegou a hora de aproveitares a vida e pensares em ti. De que vale a vida, se não fizermos nada para realizar os nossos sonhos? E tu, com oito décadas de experiência, conseguiste ver isso. A tua hora chegou ao contrário do que as tuas amigas dizem. Tu não queres voltar a ter 20 anos que eu sei, tu queres viver os teus 80 anos, desfrutando ao máximo, aproveitando cada dia como se fosse o último. Porque é isso que se aprende a transmitir quando ajudamos os outros, a passar felicidade e esperança, e tu que sempre ajudaste tudo e todos esqueces-te que também precisavas de ter uma vida independente, que traçasses tu o teu próprio caminho até ao último dia.

Por isso avó, nunca te esqueças que para mim sempre serás o ser mais bondoso que eu conheço, que admiro a coragem que tiveste de regressar à escola e adquirir novos conhecimentos. E que contigo aprendi uma valiosa lição. Como tu própria disseste: “A velhice ensinou-me que devemos sempre ajudar os outros, mas nunca nos podemos esquecer de nós. Eu ainda vou a tempo, mesmo com 80 anos, de traçar o meu caminho e ser feliz. Só desejo que todos nós tenhamos a coragem de enfrentar os nossos medos e atingir a felicidade, esteja ela onde estiver”. 

Agradeço-te tudo aquilo que fizeste por nós, mas sobretudo agradeço ao céu por te ter colocado na minha vida. É uma honra e um prazer ser tua neta, por tudo aquilo que disse em cima, mas também por ensinares-me tanta coisa e quereres aprender algo comigo.


Ainda bem que a família não se escolhe avó, amo-te. A tua neta babada, Lúcia Silva Soares.

(Veja este artigo e outros na 4ª edição da REVIVER. Faça o Download aqui)
Crónica : Carta à minha avó Lucinda Crónica : Carta à minha avó Lucinda Reviewed by Unknown on 04:44:00 Rating: 5

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