Sem dúvida que a vida por vezes prega rasteiras capazes
de roubar o sorriso a qualquer pessoa. E quem pode condenar a falta de sorrisos
por parte de pessoas que já perderam toda a esperança de felicidade que
poderiam ter? As perdas de familiares e amigos próximos, os traumas acumulados
ao longo de anos de vida, a doença, a dor física e emocional, tudo são motivos
para nos roubarem o sorriso. Mas para grandes males, grandes remédios.
Daí nasce ClownCare, com o
objectivo de devolver os sorrisos àqueles que mais precisam deles, os seniores
institucionalizados. A ClownCare é uma associação não-governamental sem fins
lucrativos, que utiliza a arte do palhaço para animar as pessoas
institucionalizadas em lares ou outras instituições que lidem diariamente com
idosos. A associação foi oficialmente formada em 2015, pela Presidente da
Direcção Ana Silva, ou Anita, que durante cerca de 5 anos teve a ideia a
marinar. Mas a razão de ser desta ideia vem de há muitos anos atrás. A Anita
que hoje é presidente da Clowncare, com 37 anos, licenciada em Animação
Sociocultural e mestre em Criatividade e Inovação, foi em tempos uma menina de
14 anos, que começou a fazer voluntariado junto de grupos de idosos no Centro Comunitário
de Tires. “Na altura não era palhaça e
na verdade não fazia muita coisa. Fui voluntária dos 14 aos 19 anos e foi uma
experiência que me marcou muito porque cresci muito, aprendi muito sobre a
importância de ouvir, de escutá-los, de acompanhar o seu percurso, de aprender
com eles”. Por volta dos 23 anos começou as suas experiências em torno da
arte do palhaço, fazendo workshops e cursos com vários professores de clowning,
mas também evoluindo de forma autodidata. “Até
aos 30 fazia regularmente espectáculos e animações com o meu palhaço. Depois
houve um intervalo e foi desse intervalo que surgiu esta vontade de voltar ao
clowning e porque não juntar com este público por quem sou tão apaixonada”
diz-nos a presidente da associação.
Assim foi, e a ClownCare lançou o
seu projecto-piloto, precisamente no Centro Comunitário de Tires onde Anita foi
voluntária na sua juventude. Sandra Afonso é a diretora técnica do Centro
Comunitário de Tires e explicou-nos como foi essa primeira recepção. “A visita da Clowncare
estava agendada, mas foi guardada em segredo para ser surpresa para os nossos
seniores! Como não estavam a contar, o impacto foi surpreendentemente caloroso!
Foi um momento de agradável convívio entre os palhaços alegres e os seniores do
Centro Comunitário de Tires, uma interligação de cor, riso, alegria e afeto que
agradou e alegrou a tarde no Centro de Dia! Um momento único de felicidade,
estampada no sorriso, nos olhos e no coração dos nossos idosos”. Nas palavras de Sandra Afonso reside a peça chave que resume o objectivo
da ClownCare, o convívio entre os palhaços e os seniores. Este convívio é um
dos desafios da Associação, porque segundo Anita, por vezes parece que a
expectativa das instituições é que os palhaços vão apresentar um espectáculo quase
como um teatro de revista em que as pessoas vão rir do início ao fim. “Isto não acontece, é um trabalho muito mais
íntimo. Nós entramos, fazemos a nossa entrada e as pessoas começam a rir-se com
a nossa entrada e a seguir começamos a visitar um a um. O que nós queremos é
aproximarmo-nos de cada pessoa, conhecê-la, saber o nome, brincar com ela,
partilhar afectos, abraçar, rir, pedir para que se levante, que adopte uma
posição menos prostrada. É esse o bem estar que nós trazemos” revela-nos a
presidente da associação.
Anita confirma que a principio as instituições não sabem
bem o que esperar, principalmente por ser um serviço novo. Contudo, após a
primeira sessão apercebem-se do potencial da metodologia da ClownCare para o
bem-estar dos seniores, porque o ambiente fica realmente diferente durante o
convívio com os palhaços. Para uma melhor gestão das expectativas, as
instituições são informadas sobre a melhor maneira de proceder à recepção dos
palhaços. “Pedimos para não colocarem as
pessoas numa situação de círculo ou em formato plateia porque o que queremos é
fazer-lhes uma visita, e portanto queremos que as pessoas estejam onde elas
estariam normalmente. Se estiverem a jogar às cartas ou a ver televisão etc é
lá que vamos”. Por norma, o convívio directo entre os palhaços e as pessoas
institucionalizadas tem a duração de uma hora, e a equipa de palhaços procura
certificar-se de que nenhuma pessoa fica por visitar. “Chegamos normalmente uma hora e meia antes ao local, e nessa hora e
meia o que fazemos é pedir à instituição um pequeno briefing de qual é o
panorama naquele dia, porque pode ter acontecido algum evento recente, uma
morte ou uma festa e portanto eles estarem num estado de espírito específico
que nós temos de ter em conta ao interagir com o grupo. Depois temos uma hora
para nos maquilharmos, vestirmos e fazermos alguns exercícios de clowning
específicos para nós, enquanto artistas podermos entrar naquela disposição que
depois vai ser contagiante, e isso não acontece em 3 minutos. Nós próprios temos
que encontrar esse estado de espírito e só depois é que entramos, e quando
entramos já é com a energia toda” afirma a presidente.
Apesar dos desafios inerentes às intervenções da
ClownCare, Anita afirma que o maior dos desafios está no “backstage”, atrás
dessas intervenções. O principal desafio que identifica reside na ideia
generalizada que as pessoas têm de que os palhaços pertencem apenas ao mundo
infantil. Este facto é algo que a ClownCare pretende desmistificar junto do
público em geral e das pessoas que dirigem ou que trabalham nas instituições. “Curiosamente junto dos idosos não sentimos
que tenhamos que desmistificar muito porque eles recebem-nos sempre muito bem.
Nessa lógica temos tido experiências muito interessantes, porque muitas vezes
no briefing que as instituições nos fazem dizem-nos ou que alguma pessoa não
fala ou não interage, ou que é uma pessoa muito zangada que geralmente não
gosta destas coisas, e acontece muito frequentemente que são exactamente essas
pessoas que interagem com o palhaço. Mas com a sociedade em geral é preciso
ajudar a perceber que a arte do palhaço vai muito para além do circo, do
palhaço que anima festas de aniversário” diz-nos Anita. Outro dos desafios
enquanto Associação é o da sustentabilidade, ou seja, na angariação de clientes
e patrocinadores, de novos sócios e pessoas que queiram doar e contribuir para
que o trabalho da ClownCare possa ser mais profissional, digno e sustentável.
A Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Santo Adrião foi
também uma das instituições que recebeu uma visita dos palhaços da ClownCare.
Sandra Costa dos Santos, directora técnica da instituição, afirma que a
promoção do envelhecimento ativo passa pelo combate ao isolamento social e à
solidão e que para isso procuram criar e recrear momentos de interacção e
intervenção que permitam sorrir, tornando os dias dos idosos menos pesarosos. “Trabalhamos diariamente no sentido de
inverter a expressão dos rostos tristes, tentar ajudar a sorrir mesmo quando a
vida se encarrega de maltratar o corpo e a alma de pessoas que nos olham nos
olhos e a quem damos a mão, muito das nossas vidas e mesmo assim é insuficiente”
afirma Sandra Costa dos Santos. Foi nesse sentido que receberam a ClownCare,
uma associação que partilha dos mesmos princípios que a Santa Casa da
Misericórdia da Póvoa de Santo Adrião. “Se
vale a pena sorrir por um breve e fugaz instante? Claro que sim! Se por um
momento arrancarmos de alguem que sofre de dor fisica, psiquica,emocional ,
idoso ou não, claro que vale a pena. Obrigada à Associação Clowncare por nos
fazer mais felizes, por trazer até nós o calor do abraço, o brilho nos olhos e
a coragem de encher o peito de ar e espalhar “balões de esperança” a quem
tantas vezes a perde” são as palavras de agradecimento que Sandra dos
Santos deixa à associação.
A EXPERIÊNCIA DE
UM PALHAÇO
Ana Pracaschandra é também membro da associação ClownCare.
Aos 30 anos, tem formação base em jornalismo, mas em paralelo trabalha como
atriz e facilitadora de acções de formação. Conta-nos que começou a explorar a
arte do palhaço em 2011, como uma ferramenta de desenvolvimento pessoal,
aplicando-a mais tarde nas acções de formação. Refere-se ao convite para
participar no projecto ClownCare como um “convite maravilhoso” e nós quisemos
saber mais sobre a sua experiência como palhaça de intervenção. A sua palhaça é
a “Papoila”, proveniente de um país longínquo “recheado de flores, feitios e aromas”. Nasceu sem olfacto e por
isso precisa da ajuda dos “avós
favoritos” para lhe explicarem a que cheira uma rosa, ou qual é o aroma da
tulipa ou do jasmim. “Adora cantar e dançar ao som das músicas de
outros tempos, por isso proporciona sempre momentos muito musicais, que acabam
por estimular o movimento, a dança e as cantorias! As intervenções acabam
sempre por dar em bailarico, nem que seja com um abanar de ombros, umas palmas
sincronizadas ou uma dança ritmada das canadianas que por ali habitam” diz-nos, explicando-nos que cada palhaço tem
a sua história e o seu jeito de intervir. Cada visita é um momento único e Ana,
através da sua palhaça, revela que aprende sempre com as pessoas com quem
interage, e que estas têm sempre algo para lhe ensinar. “Muitas vezes pergunto-lhes - "se
pudessem ensinar uma coisa ao mundo inteiro, o que gostariam de
partilhar?" E respondem-me com esta sabedoria: "filha, o que mais
aprecio nesta vida, é a simplicidade do sol a bater-me na cara, o aroma de uma
rosa ou um céu azul a brilhar lá fora" afirma. Diz-nos que nunca
aconteceu encontrar alguém com coulrofobia (fobia de palhaços), mas, alinhada
com o que nos disse Anita, se alguém não quer participar no convívio não forçam
e deixam-na estar no seu canto.
Papoila revela-nos que o seu maior desafio na interacção
com os seniores é encontrar o equilíbrio entre ouvir as suas histórias “que podem carregar momentos muito tristes”
e fazer a mudança de estado emocional “desse
lugar menos luminoso, para um estado alegre. Se uma das nossas "meninas" partilha com lágrimas nos olhos
que tem saudades do seu marido que faleceu há três meses, ou que tem dores que
nem a deixam respirar, a minha dificuldade é respeitar e respirar aquele
momento em que é preciso ouvir e sintonizar com aquela dor, para depois
transformá-la. Mudar os nossos estados emocionais, trazer a vivência para o
presente e focar na alegria, é uma escolha de vida que requer treino atlético
de consciência” acrescenta Ana
Pracaschandra. Termina afirmando que “Para
mim, o mais gratificante é dançar, cantar e rir com os meus
"meninos". Observar os sorrisos rasgados, receber os abraços
apertados e as benções infinitas que nos dão quando nos despedimos! Os pedidos
para voltarmos são o que me alinha com a certeza de que tenho mesmo de
continuar neste caminho!”.
A ClownCare é assim um novo projecto português que marca
pela diferença e que merece todo apoio pelo bem que fazem e pelos sorrisos que
colocam na cara de quem mais precisa.
ClownCare – A Arte de Saber Fazer Rir
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08:37:00
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