São inegáveis as mudanças que o nosso país e o mundo sofreram desde 1974. Se o 25 de Abril representou a emancipação do povo português a um Estado opressivo, o quebrar das correntes políticas que nos impediam de sermos fiéis a nós mesmos, com intenções de que fôssemos todos bem controlados, comportados e padronizados, hoje em dia ainda há muitas correntes para quebrar.. Certamente existirão pessoas que dirão que tinha os seus prós e os seus contras, mas a urgência por liberdade levou-nos à revolução de 74 e é uma data que para sempre ficará na história de Portugal.
Hoje o grito pela emancipação é outro, é a um nível muito mais pessoal e menos político. Porque desenganem-se se acham que Portugal já não é um país opressivo. Portugal é ainda socialmente muito opressivo e continua a querer padronizar as pessoas. A luta pela liberdade individual é a próxima revolução a seguir-se, uma luta que permita as personalidades das pessoas brilharem enquanto seres únicos, que as permita sentirem-se confortáveis pelo que são e não pelo que todos esperam que sejam. Se essa liberdade se manifesta hoje nos jovens de uma forma quase exagerada, num grito de rebeldia normal da idade, ainda falta manifestar-se na maioria das pessoas mais velhas que continuam a reprimir-se com o receio de que a sociedade as julgue por serem diferentes e individuais, porque foi assim que aprenderam a ser. Quantas vezes já quis experimentar uma coisa diferente e não experimentou porque "não ia ficar bem aos olhos dos outros"? Ver um filme diferente, ler um livro diferente, ouvir música diferente, aprender coisas diferentes, comer coisas diferentes, vestir roupa diferente. Tenho a certeza que já aconteceu, mas é essa barreira pessoal e social que temos de quebrar. Não é mau ser diferente, é bom. É bom e corajoso ser-se único e mais do que isso, ter a coragem para sermos quem realmente somos.
Sim, hoje em dia a repressão politica já não é tão evidente. Mas entretanto, 42 anos depois da revolução a repressão social mantém-se, onde mesmo as coisas que procuram ser diferentes, procuram também elas ser padronizadas. Basta olharmos para os conceitos de envelhecimento ativo e vemos que ao fim e ao cabo é só uma forma de "manter os velhos entretidos", como se as pessoas se realizassem com bailaricos todos os meses.
Portugal continua a ser um país de aparências, do politicamente correcto, onde é comum esconderem-se as opiniões verdadeiras que possam ser desagradáveis só para não ferir susceptibilidades. Essa é uma característica bem típica. Como povo, preferimos iludir as pessoas para não sermos vistos como pessoas desagradáveis. E se o fazemos, se damos uma opinião que não é a socialmente aceite mas é a nossa verdadeira convicção, aparecem logo as vozes defensoras do politicamente correcto. "Não digas isso", "Não sejas assim", que é o mesmo que dizer "Não digas aquilo que realmente pensas. Mente. Não dês a tua verdadeira opinião", mas depois passemos a vida a ensinar aos mais novos que mentir é errado. E quando o "Não digas isso" é seguido de um "coitado"? "Não digas isso, coitado", como se não fosse essa a pior coisa que se pode fazer a uma pessoa. Iludi-la e ainda chamá-la de coitada, quando coitada é por viver iludida pelos que não têm coragem de lhe dizerem a verdade.
Mais curioso é que a incapacidade dos portugueses para dizerem aquilo que realmente pensam, para serem aquilo que realmente são é tal, que depois têm uma admiração gigante pelas pessoas que têm essa coragem. Porque em Portugal é preciso ter coragem para se ser único, para se expressar honestamente, e acho que daqui em diante deve ser esse o nosso 25 de Abril. Ter a liberdade para ser. São 42 anos de liberdade, vamos finalmente sermos quem somos, porque se somos pessoas únicas temos de ser pessoas diferentes. O grito pela liberdade de 2016 tem de ser um grito pela personalidade que nos liberta dos padrões sociais dos quais ainda não fomos suficientemente corajosos para fugir.
Liberdade Para Ser
Reviewed by Unknown
on
05:24:00
Rating:
Sem comentários: