Existem milhares de pessoas que conseguem ver o momento da reforma como uma verdadeira oportunidade, o início de algo, uma nova fase da vida. João Figueiredo, de 77 anos, encarou esse momento de forma séria e empenhada, aliás como em todas as fases da sua vida. Aos 65 anos, nunca a reforma fez tanto sentido para se poder tornar no homem que é hoje. Recebeu-nos em sua casa e contou-nos a sua história.
As praias da Fonte da Telha não
ficavam longe e o Verão não podia estar mais orgulhoso da tarde que tinha
criado, agradável e sem nuvens, com um suave sopro do vento para ambientar.
Sorridente e sem pressas, João Figueiredo encaminha-nos para um óptimo lugar à
sombra, nas traseiras do seu jardim. Foi um dos fundadores da Associação
Portuguesa de Consultores Seniores, o único ainda vivo. Hoje vive como nos
recebeu, com a pressa de quem tem tempo para tudo, mas sem tempo a perder. No
entanto, trabalhou afincadamente desde novo, até aos 65 anos. “Não nasci numa
família com grandes posses. Fiquei aos 6 anos sem mãe, o meu pai era sapateiro
e tinha 4 filhos para sustentar. Na adolescência, dava explicações de
matemática e entregava o dinheiro em casa” diz-nos. Licenciado em Finanças pelo
Instituto de Superior de Ciências Económicas e Financeiras, hoje conhecido como
Instituto Superior de Economia e Gestão, e foi lá que fez pela primeira vez o
seu trabalho de voluntariado, quando distribuiu comida no bairro da Madragoa e
São Vicente de Paulo.
Com dupla formação
militar, especialidade em Administração Militar começa aí a sua carreira
profissional, desempenhando funções de direcção e administração em várias
empresas. “Após o 25 de Abril, passei à reserva e trabalhei na RTP, na RDP e na
COSEC”. Com uma extensa família para criar, João Figueiredo dedicou-se de corpo
e alma ao trabalho para que nada faltasse aos seus filhos. Foi Director da
Renault Portuguesa durante 15 anos, fundou duas empresas e a Associação
Portuguesa de Consultores Seniores, quando ainda era director da Renault. “Eu
era um autêntico workaholic. Chegou aos 65 anos, reformei-me e vendi as duas
empresas. Achei que já chegava de trabalho e que ainda tinha 10 anos pela
frente para poder desfrutar da reforma. Doze anos já passaram” confessa-nos.
Decidido e ponderado, aceitou a
reforma sem qualquer estranheza, sabia muito bem como tirar partido dela. Ainda
foi convidado para ficar como consultor da Renault, mas João rejeitou. Foi
consultor sim, mas pela APCS, fazendo voluntariado para a Associação de Nossa
Senhora da Assunção na Malveira, ajudando-os em trabalhos organizativos e
administrativos. Ajudou a Associação a criar o seu organograma, a organizar
documentos, gerir o parque de estacionamento, e também em trabalhos de gestão e
aconselhamento. “Foi uma experiência que gostei muito. Ía para lá todos os dias,
mas tive de parar porque saía-me muito caro em portagens e gasolina”.
Hoje, a APCS, que ajudou a fundar,
segue-a um pouco à distância, mas tê-la fundado é um dos trabalhos de que mais
se orgulha. “É como ter um filho para mim. Mas nunca quis ser presidente, e não
me envolvo mais porque sei que se o fizer vou fazê-lo a 100% e não vou ter
olhos para mais nada, e eu não quero isso” diz-nos João Figueiredo. De facto,
aproveita os seus dias de outra forma. Nos seus 12 anos de reforma, já aprendeu
a falar espanhol, inglês e italiano. Aprimorou um dos seus talentos, a pintura,
tendo feito belíssimos quadros especialmente em aguarela, revelando uma veia
artística oposta à sua veia empresarial.
“Convidaram-me para uma exposição e
apresentei 60 quadros, vendi-os todos. Depois fizeram-me uma proposta para
apresentar 25 quadros por semana e eu não queria esse tipo de compromisso então
parei por estar a ser demasiado comercial”. Amante de música clássica, da
pintura passou para a música, e há 4 anos que se dedica em aprender guitarra,
definindo um novo objectivo, conhecer a fundo as obras dos músicos clássicos.
“Desde que comecei a aprender guitarra a minha consideração pelos músicos subiu
muito. É demasiado complexa” confessa-nos. Também a informática e a internet se
tornaram numa paixão. “Quando comecei com a informática, para mim era tudo um
bicho papão. Depois comprei um livro sobre o Windows e lá consegui aprender
sozinho. Consegui fazer uma cartinha no Word e até a guardei” diz sorridente.
Encontrou ainda tempo para aprender
modelismo naval em madeira, e construiu uma miniatura perfeita, à escala, duma Muleta, embarcação típica do Seixal. Todos os dias faz uma caminhada de 6 Km
até à praia com os seus cães e fiéis companheiros, trata do seu bonito jardim,
um hobbie duro que lhe consome várias horas mas que faz com imensa satisfação, trata
da bricolage e reparações que a casa precisa e acima de tudo, dedica-se à
literatura, devorando livros sempre que pode. Está sempre disponível para
passar tempo com a família, e manter saudáveis as relações com os seus amigos,
encontrando-se com eles de 15 em 15 dias. “Quero aprender até ao meu último dia
de vida. Como diz um ditado chinês, se souber que morro amanhã, planto uma
cerejeira hoje”. João Figueiredo é o perfeito exemplo de como a reforma é
apenas o início de uma nova fase da vida, que pode ser vivida ao máximo se
estivermos dispostos a isso.
Workaholic amante da Reforma
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