Nasceu a 6 de Setembro de 1922
na freguesia do Grijó. Formou-se em Direito, foi ministro do Ultramar,
Presidente do CDS e tem exercido a carreira de Professor Universitário. Aos 92
anos, o Presidente da Academia das
Ciências de Lisboa dispensa apresentações.
- O que é que as pessoas não sabem sobre o Professor
Adriano Moreira?
Neste momento encontra-se nas
bancas o livro “Este é o tempo” do Jornalista Vitor Gonçalves que penso que
responde completamente a essa pergunta.
- Que memórias guarda dos seus tempos passados no Grijó?
Foi uma época muito feliz. A
vida, claro, era muito diferente do que é hoje, digamos que era uma vida
habitual, pobre, solidária e feliz. A vila visito-a de vez em quando, porque
sinto a necessidade de ir visitar a sepultura dos meus pais. Mas a minha família
praticamente já desapareceu da aldeia e quando se visita a aldeia não se vêem
crianças.
- Como é que começou a sua vida política?
Eu só entrei na política tarde.
Na juventude nunca pertenci a nenhum movimento, porque o trabalho começou muito
cedo. Mas nos momentos em que entrei, foi porque pensei que havia um interesse
nacional que não dispensava intervenção, solicitada. A primeira foi pertencer à
delegação de Portugal das nações unidas, porque a questão principal era a
descolonização. O chefe da delegação era o professor Paulo Cunha, que fez o que
costumam fazer os professores, vão à procura dos alunos de que se lembram para
os acompanhar nas tarefas. A segunda vez foi por causa de ter começado a
violência nos territórios ultramarinos portugueses, e justamente na data que eu
tinha previsto em relatórios, escritos, a partir das Nações Unidas. E portanto,
eu fui convidado a executar essas reformas, e não era uma questão de regime,
que podia evitar que as pessoas pudessem dar a contribuição que parecia estar
ao seu alcance. Consegui fazer algumas dessas reformas, sendo a principal a
revogação do estatuto dos indígenas.
Há alguma coisa que o assuste na política?
Não, eu não sou muito dado a
sustos. Mas sou dado a preocupações desde sempre com a vida do país. Hoje fala-se
menos nisso, mas a minha geração já é tão antiga. Foi muito educada na escola
primária, que eu chamo a gloriosa escola primária republicana, com devoção a
valores patrióticos e da solidariedade da comunidade portuguesa. E essa
preocupação nunca me abandonou e neste momento volta a inquietar-me
profundamente. Reconheço que nesta data a minha intervenção já seria certamente
dispensável, mas insisto, pois tenho a exactíssima inquietação, talvez mais agravada
hoje, que me atingiu nos outros momentos.
- Disse que caiu no mundo pela primeira vez quando chegou
aos territórios portugueses em África. Em que é que consistiram “as suas quedas
no Mundo”?
Essa minha expressão ganhou
circulação. De vez enquanto há assim uns acontecimentos, umas palavras que
agente solta e depois essas é que ficam. Mas elas são bastante rigorosas. Eu
falei na primeira queda no Mundo, que foi visitar África, porque eu era
professor do que então se chamava Escola Superior Colonial e ensinava direito.
Fui encarregado pelo Almirante Sarmento Rodrigues, de fazer um estudo sobre a
Reforma do Sistema Prisional do Ultramar. Aí verifiquei que andava a ensinar
coisas que não se aplicavam, e é aí que eu faço a viragem no sentido de que o
que é preciso é uma Escola de Ciências Sociais. Levou tempo, teve dificuldades,
mas é hoje o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. A segunda
queda no Mundo foi a ida às nações unidas, porquê? Porque a minha geração teve
uma limitação que não se sente hoje, é que havia uma parte do Mundo que nos era
proibida. Essa ida implicou a que eu assistisse a este fenómeno. Pela primeira
vez na história da Humanidade todas as áreas culturais falavam em liberdade e
diziam o que pensavam do Mundo. O enriquecimento humano que isso representou
foi enorme. Fez-nos experimentar aquilo que teoricamente já sabíamos, que era a
diversidade. Mas ao vivo, o poder da voz e da presença, isso levou-me a estar
sempre atento à evolução global. Já não era apenas a questão do País. Era a
evolução global a que estávamos a assistir
.
- O seu avô Valentim costumava dizer:
"O que nos define é a maneira como vivemos a vida e não como ganhamos a
vida". Foi fácil manter-se sempre fiel aos seus princípios?
Essa afirmação
do meu avô, com essas ou outras palavras, corresponde a uma maneira de ser
transmontana. Nós somos muito apegados à província, lá as pessoas são muito
firmes na sua qualidade de transmontanos. Havia até um ditado na minha aldeia,
quando se dizia que uma pessoa era muito rica, o pobre respondia, então que almoce
duas vezes. Essa maneira de ser foi uma coisa muito surpreendida pelo Abade de
Baçal, que escreveu uma obra brilhante sobre Trás-os-Montes e que, em relação à
estrutura social escreve um livro sobre os Fidalgos e outro sobre os Notáveis.
Havia ali uma espécie de democracia da sociedade civil. A hierarquia social
esbarrava com esta circunstância, ou seja, estava aberta a ascensão social a
quem se distinguisse pelo saber, e não só pela capacidade económica. Por isso eu
julgo que sim, naturalmente cada um não é o melhor juiz de si próprio. Eu tenho
humildade suficiente para admitir isso, mas penso que fui sempre fiel,
sobretudo à doutrina social da Igreja, em qualquer actividade. Ainda aqui há
tempos disse a um jornalista, quando puder fazer bem o que julga ser bem para
outros, faça, sejam quais forem os obstáculos.
- Quando era criança poucos tinham a
possibilidade de frequentar o ensino superior. Agora como professor, qual é a
sensação de poder partilhar os seus conhecimentos com várias gerações?
A única coisa
que me deu alegria na vida de ser, é professor, e sempre achei que o melhor e
maior privilégio, é o de dar aulas ao primeiro ano. Porque há uma espécie de
transfusão da juventude a cada ano, para o professor. Eles ajudam o professor a
manter-se mais jovem, talvez eu tenha durado mais anos por causa dessa
transfusão, e tenho recebido sempre manifestações de carinho, amizade e
reconhecimento. No fundo é o património mais importante que eu tenho.
- Na sua opinião, o que é que é urgente
mudar na política portuguesa?
Isso é preciso
um livro. Eu acho que são precisos muitos aspectos de mudança, e o que eu
disser é muito sumário, não é suficiente. Eu acho que é preciso reforçar o
estatuto do Presidente da República, que nunca foi bem definido desde a queda
da Monarquia. Ele tem que ser realmente o magistrado supremo do país, e isto
não pode ser apenas uma coisa semântica, tem de ser uma coisa de verdade. Penso
que todos os partidos precisam de se actualizar porque nos últimos 40 anos o
Mundo é outro. Concordo com os que dizem que é preciso uma espécie de
refundação. Também tenho preocupação com o facto da União Europeia não ter
conceito estratégico até hoje. É preciso encarar o globalismo como um facto.
Simplesmente toda a gente fala de globalismo, e eu acho que sabemos muito pouco
para além da palavra. Por isso eu tenho defendido que a quarta dimensão da
universidade neste momento, é definir a estrutura de interdependência de redes
e consequencialismos do globalismo, do qual nós vamos sabendo os efeitos sem
ter participado nas causas.
- Ao passo que assistimos a um avanço
tecnológico será que assistimos a um retrocesso social?
Não se pode
dizer isso em relação a todos os povos e a todas as áreas. Nós tivemos um
grande avanço científico e técnico, e isso implica que é preciso gente mais
qualificada, e menos gente. Portanto o problema social mudou, e o remédio que
eu vejo mais frequente é verdadeiramente a liquidação do estado social. Mas
isso, eu considero um retrocesso na solidariedade das comunidades, sobretudo em
comunidades nacionais, porque não é a mudança do poder que faz desaparecer a
identidade nacional, é a comunidade de afectos. E quando não há esta concepção,
a sociedade civil vai perdendo solidariedade e identidade. Todos os
países-Estados têm de rever o seu poder no mundo global. Temos como exemplo, o movimento
das pequenas pátrias da Europa, ou seja, aquelas que pertencem a Estados
plurais mas que até agora aceitaram que eram membros do mesmo Estado. Agora
querem separar-se, como é o caso da Escócia, da Espanha e da França. Com a
crise económica e financeira em que estamos, não seria melhor ter uma
capacidade diplomática, eficaz, ativa e bem orientada para que se pudesse
refazer a ordem mundial em paz, e aceitando o ensinamento que foi Paulo VI “O
desenvolvimento é o novo nome da paz”.
- O que o levou a escolher Bragança para criar a
biblioteca Adriano Moreira?
Eu sobretudo, tive sempre
experiência disso, as pessoas passam a vida a fazer uma biblioteca e quando
chega ao fim a biblioteca dispersa-se, desaparecem, enfim. Embora possa parecer
um pouco orgulhoso, eu gostava que a minha biblioteca se mantivesse. Porque é
que eu escolhi Bragança, até os meus conterrâneos se perguntaram. Mas é muito
simples, é que só em Bragança é que havia ensino superior, portanto achei
sempre que era o sítio próprio. Isso foi acolhido com uma grande satisfação. Já
lá têm uma grande parte, mas é evidente que não mandei tudo, senão não poderia
trabalhar. Eles próprios fizeram um edifício muito bonito numa praceta, que se
chama também Adriano Moreira. Já ganhei duas plaquinhas, porque na minha terra,
há uma festa grande no dia do Padroeiro, que é o primeiro domingo de Setembro,
mas uma festa sem coreto não dá, e o coreto está numa pracinha que também se
chama Adriano Moreira.
- Com 92 anos continua a ser uma pessoa
extremamente activa. Alguma vez pensou em parar?
Não. Acho que
não de me ocupar por isso, Deus trata disso. Portanto não preciso de invadir
competências.
- Se o mundo estivesse calado a ouvi-lo, o que diria?
Há tanta coisa para dizer. Mas sobretudo a melhor
síntese que eu encontrei, de autores que eu vou lendo, seria reconciliar o
Mundo.
Na Esplanada com Adriano Moreira
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