Há muito
que os livros encadernados deixaram de ser uma forte presença nas estantes dos
portugueses. Talvez por isso, seja cada vez mais raro encontrar um
encadernador. Mas ainda existem pessoas que se dedicam a manter vivas as profissões
do antigamente.
Já passaram
mais de 40 anos desde que João Francisco Augusto abriu a sua oficina de
encadernação. Situada na Rua Infantaria 16, em Campo de Ourique, a oficina do
Sr. João destaca-se pelo seu pequeno portão verde, que nos separa das árvores
de fruto que nos guiam até à antiga oficina. Ao entrarmos reparamos nas grandes
máquinas que ali estão. Hoje estão paradas, mas no auge da oficina de
encadernação de João Augusto, serviram para dar resposta a muitos trabalhos
encomendados pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo próprio Estado. O Sr. João
chegou a ter seis empregados, no entanto, actualmente é só ele que trata dos
poucos trabalhos que lhe são encomendados.
Mas a crise
e os poucos clientes não conseguiram fechar as portas da oficina de
encadernação. Com 88 anos, João Augusto, abre as portas da sua oficina de
segunda a sexta-feira, quer haja trabalho, quer não. É naquele lugar especial
que ele se sente bem, é ali que ele ocupa o seu tempo e aproveita para falar e
conviver com os seus amigos de longa data.
Rapidamente,
apercebemo-nos que o encanto daquele local era o Senhor João. O seu olhar meigo
e a sua voz calma cativaram-nos para uma agradável conversa. À nossa frente não
estava um simples encadernador, estava um homem com um coração enorme cheio de
histórias para contar.
Para
aqueles que conhecem João ou a sua oficina, não é um segredo que a música
clássica é uma constante naquele local. “Desde que tenho a oficina, o rádio
sempre esteve ligado. Quando ainda tinha pessoal aqui a trabalhar, acabava por
escolher outro tipo de música. Uma vez tentei trazer um cd com música clássica,
mas ele diziam que era música para dormir. Agora é altura da minha vingança,
trago a minha música clássica, não tenho cá ninguém, e oiço-a eu”, disse João
com um sorriso. E conforme a conversa ia avançando, o encadernador, falava de
forma apaixonada pela música que mexia consigo. “O meu favorito é um compositor
norueguês, o Grieg, um grande amigo meu adorava-o e eu também adoro o
compositor. Mas também gosto muito dos clássicos de Beethoven, em alemão não
sei os nomes, mas as cartas a Elise e sonata ao Luar são espectaculares. É
normal, eu sou muito romântico”, afirmou.
O Sr. João
Augusto rapidamente nos confessou que não se rendeu aos encantos dos computadores,
no entanto ficou fascinado com a invenção de algumas tecnologias. “Tenho a
minha pen ali no rádio com a minha música clássica. É incrível, conseguir ter
lá mais de 80 músicas, e poder ficar com o rádio a tocar 4 horas seguidas”,
diz-nos com um brilho no olhar.
Todavia
eram os livros que o emocionavam mais. Foi com eles que João aprendeu muito,
principalmente porque sempre foi um autodidacta. “Desde os meus tempos de
rapaz, com um cadeeiro a petróleo pois ainda não havia electricidade, ficava a
ler à luz do candeeiro livros fantásticos. Quando iniciei o ofício no Martim
Moniz, no trajecto para o trabalho, levava a lancheira e um livro. Ia ler pelo
caminho e é engraçado, que ainda hoje associo certos romances que eu li aos
sítios em que os li. Uma vez comprei um livro na feira da ladra, “Homens do Mar”
de Victor Hugo e fui lê-lo para o Mirador do Monte. Eu li o livro todo sentado
num banco e vivi aquela ânsia, aquela luta, vivi aquilo tudo. Aquele livro
marcou-me muito. E existem muitos outros. Mas se tivesse que escolher um seria
o “Coração” de Edmondo de Amicis é um livro fantástico. Costumo oferecer muito
esse livro aos jovens, é uma coisa linda. Gosto muito de oferecer, o dinheiro
preciso dele para viver, mas ele não é tão valioso como a amizade. Há nesse
livro um conto mensal que nem posso falar dele senão começo a chorar de tão
fantástico que é. Eu vibro com esses contos, é o sentido da vida, fazer o bem”,
diz-nos com uma voz emocionada.
Foi com os
livros que João aprendeu muito, principalmente porque sempre foi um
autodidacta. “Quando na altura me chegavam vários livros da Gulbenkian, aprendia
muita coisa com eles, tornei-me num autodidacta. Fotocopiava algumas passagens.
Queria sempre aprender mais, os meus olhos não se cansavam de ler novas
histórias e informações.”
Enquanto
nos falava das suas paixões, o Sr. João Augusto mostra-nos um dos trabalhos que
está a fazer. Era uma compilação de textos recortados de um jornal que uma
cliente tinha pedido para encadernar. “ Para mim a cultura é tudo. É importante
preservar a história. Muitos destes livros aqui são feitos de recortes de
jornais, ainda com marcas azuis do tempo da censura”. Apesar do pouco trabalho
e do avanço da idade, João continua a executar as suas tarefas com toda a sua
habilidade e perfeição. “Faço o possível para fazer o melhor trabalho. Hoje em
dia pedem-me para encadernar portfólios de arquitectura e de fotografia. Faço
também álbuns, caixas, vai-se fazendo um pouco de tudo, mas também
faço muito restauro. É importante tentar afastar os livros da humidade, usar
uma caixinha de madeira com cal para afastar os bichos, que eles estragam os
livros todos. Fazem muitos furinhos e é impossível restaurar tudo,” conclui
mostrando um livro todo danificado com furos.
Para
aqueles que o ouvem falar dos pormenores do trabalho de um encadernador, até
podem pensar que João sempre teve este sonho, mas não. Os seus sonhos sempre
voaram mais alto. “É verdade, nunca quis ser encadernador. Gostava de ter sido
aviador por exemplo, era uma paixão quando era um rapaz. Ainda hoje tenho a
paixão pelos aviões. E por acaso ao meu lado morava um general da força aérea.
Dois dos seus filhos vieram da Dinamarca com 4 meses e hoje têm 42 anos. Hoje
vêm a Portugal e só querem ver, como eles dizem, o segundo pai”, afirma
orgulhoso.
Mas não são
os únicos que João vê como família. “Tenho uma neta adoptiva, a Inês, começou a
cá vir com 3 anos agora já tem quase 6 anos. Adoro as crianças, são fantásticas.
Agora para Inês comprei um órgão para o natal. O ano passado comprei-lhe um pai
natal que dançava”, diz-nos enquanto nos mostra o órgão, a fotografia de Inês e
os desenhos que a menina lhe oferece.
Enquanto
nos conta algumas histórias recheadas de gestos bondosos, João fala da sua
relação com os seus amigos de longa data. “Falamos, discutimos, vamos almoçar,
comer os pastéis de bacalhau. Falamos de tudo, uns são do Benfica, outros são
do Sporting, uns são do PSD outros PCP. Isso não interessa. Quando fazem
qualquer coisa que me falta ao respeito eu corto. Agora se um dia reconhecessem
que erraram, não sou rancoroso. O ser humano erra. Tenho amigos de longa data,
preservo muitos amigos. Convivo com muitas pessoas. Vou ainda a muitos sítios,
passeio muito”.
Hoje é um
dia especial para o Sr. João Augusto. Vai buscar a sua filha quando acabarmos a
entrevista. “Vou buscar a minha filhota daqui a pouco. A minha mulher teve um
parto muito demorado e a minha filha nasceu deficiente. É assim a vida. Mas
hoje vou buscar a minha filhota, amanhã tenho-a em minha casa e vou levá-la ao
cabeleireiro de manhã”, conta-nos com um sorriso rasgado.
O Bondoso Encadernador
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13:17:00
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Bondoso? Nao devem estar a falar do mesmo homem. Bondoso ele nao o e, e com palavrinhas mansas engana toda a gente. Tem uma neta, eu conheco o filho e ele nao tem filhos entao a neta so deve existir na cabeca desse velho maluco. Por menos ja vi muitos atras das grades por pedofilia, sera que ele conta ai que agredia o filho na frente de todos, e o agrediu ate ele ter 23 anos. Bom saber que o filho ira coloca-lo na Justica por estelionato, bem como agressoes a sua integridade que ainda acontecem hoje porque o filho tem traumas de infancia, publiquem isso pois em breve os media vao saber do velhinho bondoso que e um velhinho maldoso
ResponderEliminarBoa tarde, por acaso sabe se o encadernador ainda é vivo?
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