Para quem gosta de passear, o Inverno pode ser o melhor
ou pior dos aliados. Porque se por um lado a estação fria adorna as paisagens
com tons cinzentos e neblinas únicas, conferindo-lhes uma beleza própria, por
outro lado pode brindar-nos com dias de chuva intensa e ventos insuportáveis.
Para este passeio queríamos Sol, um bem escasso nestes dias, e a nossa agenda
não estava assim tão disponível. Foi por isso mesmo que acompanhámos
atentamente as previsões do Instituto da Meteorologia e do Mar. Uma
quinta-feira de Sol no meio de uma semana nublada e de chuva indicava-nos o
instituto. Fizemos a nossa escolha, aceitámos o risco, e apostámos no dia
certo.
Se por esta altura estiver a pensar que a tapada era a de
Mafra engana-se. Essa será num futuro próximo. A tão necessária visita, é à
Tapada das Necessidades, provavelmente pouco familiar à maioria das pessoas,
mas isso não deve menosprezá-la porque é na verdade um sítio belíssimo. Mais
tarde apercebemo-nos de que haviam duas entradas. Uma situava-se no topo da
tapada, e a outra foi por onde entrámos, junto ao Palácio das Necessidades, a
sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A entrada na tapada é gratuita, e
a primeira coisa que nos apura os sentidos é o intenso cheiro a plantas, que
nos acompanhou durante toda a visita. Em seguida, é na audição que notamos a
maior diferença. Precisamente no centro de uma cidade como Lisboa, por vezes
parece ser quase impossível desfrutar de um silêncio agradável interrompido
apenas pelo som dos pássaros. São poucos os sítios que o permitem, mas a Tapada
das Necessidades é um deles. Após o impacto no olfacto e na audição vem o
óbvio, a visão. Mal atravessamos o portão e parece que o verde é interminável.
Verde e mais verde, de vários tons e texturas. Entre plantas, árvores e flores
a beleza da tapada estende-se para lá do imaginável, e a primeira árvores que
nos salta à vista é uma de aspecto tropical em que contámos mais de 10 troncos.
Logo a seguir encontra-se um pequeno lago, onde patos e pombos descansam em
harmonia e nem o gato preto que passa a correr junto a eles parece
incomodá-los. O gato pára à beira do lago, lava-se e segue o seu caminho
perante a tranquila indiferença das aves.
Seguimos o nosso caminho envoltos numa brisa que de
tempos a tempos chama pela Primavera. Uma particularidade desta parte de baixo
da tapada é que o alcatrão que nos encaminha partilha o seu espaço com várias
ilhas de relva, árvores, flores e plantas. Numa dessas relvas descansam ao Sol
um bando de gansos, e um pouco mais à frente, uma pequena mesa com quatro
bancos em pedra, junto a uma plantação de bambu. Ao longe ouvíamos pássaros que
piavam estridente e incessantemente e só passada a plantação de bambu, é que um
golpe de sorte e atenção pôde vislumbrar o que talvez tenha sido mais
impressionante durante todo o passeio, papagaios! Sim, pequenos papagaios
verdes com colares avermelhados esvoaçavam vertiginosamente para pousarem no
alto das árvores. A partir do momento em que vimos o primeiro, facilmente encontrávamos
outros através do volume do seu piar. Absolutamente incrível, mesmo no meio de
Lisboa, papagaios soltos ao ar livre.
Outra das coisas que não nos é indiferente é a variedade
de árvores e de plantas que nunca tínhamos visto. Um bom exemplo disso era um
grande lago, que infelizmente estava seco, mas que à sua volta tinha mais
árvores de aspecto tropical. Ao fundo do lago, junto à parede, uma mini
floresta de bambu fazia-nos crer que com sorte ainda podíamos vislumbrar um
panda à solta, mas não foi possível.
Nessa mesma parede, erguia-se uma
escadaria ornamentada que escondia uma estátua, e no cimo da escadaria, um
portão vedava-nos a entrada para um magnífico jardim, repleto de sebes e com
uma fonte no centro. Aparentemente só quem fosse do Ministério dos Negócios
Estrangeiros é que podia desfrutar do jardim, sendo que a entrada não
autorizada constituía crime. Tivemos de conter-nos para não saltar o muro
perante tamanha injustiça, mas esse não era um dia para visitar a prisão, por
isso, inconformados, descemos as escadas e seguimos o nosso caminho a subir a
tapada.
Esperava-nos então um extenso relvado onde famílias
descansavam, pais corriam com os seus filhos, jovens casais namoravam e um
grupo de amigos divertia-se com malabarismos e outras actividades de aspecto
circense. Quem podia condenar qualquer uma destas pessoas? A tapada das
necessidades aparentava ser o jardim ideal para relaxar. Tendo em conta a
dimensão e o número de pessoas, quase fazia parecer que era o nosso próprio
jardim privado. Pelo menos nesta altura do ano. Por toda a tapada podíamos encontrar
esculturas trabalhadas, estátuas e vasos, e contornámos o relvado até um
edifício cor de rosa, com um telhado em abóbada de vidro. A beleza deste
edifício que aparentava ser um pequeno anfiteatro é indiscritível, pois é uma
mistura entre o clássico e o moderno, e o telhado em vidro concede-lhe um
aspecto visual único. Mais um ponto de referência a não perder a quem visitar
esta tapada. Contornando o edifício somos obrigados a subir, e as suas
traseiras não são senão um enorme patamar superior da tapada, que ficava que
nos deixava quase à altura do telhado em vidro. Esse patamar aparentava-se a
uma longa varanda que nos dava uma perspectiva sobre tudo o que já tínhamos
visto até então. O relvado com as famílias, os amigos e os namorados, às
árvores, o jardim com acesso exclusivo a membros do Ministério, tudo o que já
tínhamos caminhado, era agora visível dum patamar superior. Ao fundo do
“quadro” erguia-se a ponte 25 de Abril. No caminho, paralelo à varanda, árvores
despidas estendiam-se de ambos os lados, como sentinelas que guardavam quem
palmilhasse aquele chão. Contrastando com as árvores despidas, podíamos ver
aqui e ali algumas árvores em flor numa espécie de homenagem ao ciclo da vida.
Continuando a subir a tapada, sempre acompanhados pelo
verde que a caracteriza, deparamo-nos com um novo lago, com um belo mural
ornamentado, cuja beleza só é estragada por graffitis. Não somos do tipo de
pessoas fundamentalistas que acha que o grafitti não é arte, mas há sem dúvida
sítios em que é crime, e a tapada das necessidades está cheia de graffitis
criminosos. Quase que dá vontade de ir esfregar a tinta só para devolver a
beleza original aos painéis do mural, mas rapidamente a nossa atenção é desviada
para uma pequena floresta de palmeiras, com um caminho em pedra que nos atraía
para si. Assim foi, e rapidamente descobrimos que não era uma floresta apenas
de palmeiras, mas também de catos. Catos com dimensões que nunca antes tínhamos
visto. Fomos seguindo o caminho de pedra pelo meio desta “mini-floresta” e
chegávamos então ao cimo da tapada, onde se atravessou à nossa frente outro
gato preto e branco. Do ponto mais alto, só descer, mas se pensávamos que já
tínhamos visto tudo, enganámo-nos. Conforme vamos a descer, três pavões
alimentam-se à sombra, junto a uma casa de madeira. Continuando a descer, de
certo ponto, algo que também só a atenção nos permitiu, o Cristo Rei, por entre
árvores e o Palácio, abria-nos os braços lá ao fundo. Um passeio imperdível,
uma beleza indescritível.
*Texto e imagens: Revista Reviver
A Necessária Visita à Tapada
Reviewed by Unknown
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06:55:00
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