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Contos para Avós : Carta da tua neta reclusa


Querida avó Joaquina,

Escrevo com esperança que te encontres melhor, mas principalmente com o desejo que essa malvada pneumonia tenha-te dado o descanso que tanto mereces. Sei que estás farta dessa maldita cama, mas tem calma, daqui a poucos dias já vais estar no teu banquinho que tanto gostas no jardim.

Tenho pensado muitas vezes em ti, mas não só. Penso na enclausura forçada que ambas vivemos nestes dias difíceis. A grande diferença é que tu nunca fizeste mal a ninguém nesses teus belos 82 anos. Ensinaste-me que não devia sentir ódio das pessoas, mas avó sempre que penso em ti aí abandonada nesse lar, a raiva consome-me de tal forma que nem consigo descrever. Também não é difícil visto o meu vocabulário não ser o melhor e sendo tu tão sábia. Mas dizes sempre que isso não importa, é óbvio que o dizes. És a pessoa mais bondosa que cruzou o meu caminho e é por ti que eu ganho forças a cada dia para continuar na via certa. Já falta pouco para eu poder olhar-te nos olhos e dizer o bem que me fizeste.

Não deixa de ser irónica a nossa história. Eu cresci cheia de ódio pelo mundo, talvez porque nunca ninguém se tivesse interessado por mim, no entanto não é desculpa para ter estragado a vida de tantas pessoas. Já tu criaste os teus filhos, deste tudo de bom que tinhas e nunca cobraste, amas-te os teus rebentos com todas as tuas forças e eles deixaram-te aí para morreres sozinha. Mas mesmo assim continuas a espalhar o amor e a bondade.

Lembraste quando escreveste numa carta que sabias que existia um coração gigante dentro de mim? Não avó, não existia. Existia um coração bem minúsculo e cinzento. Hoje este coração parece que foi transplantado, não o sinto meu ainda, mas estou a adorar tê-lo. Só te posso agradecer esse feito.

Queria escrever algo que te fizesse sorrir… E como bem sabes, tempo não me falta para pensar. Penso na tua cara a ler as minhas cartas e desta vez quero arrancar-te um sorriso de orgulho. Tomei uma decisão que espero torna-la na minha missão nos próximos tempos. Quando eu escrevi que não havia esperança aí fora para uma pessoa como eu, tu respondeste-me que existia um mundo inteiro há minha espera, mas que eu não criasse ilusões pois não ia ser fácil. Disseste-me que tinha que manter a cabeça erguida, ser forte e persistente, pois dos fracos não reza a história. Então querida avó queria confessar-te que decidi fazer de tudo o que estivesse ao meu alcance para poder tirar-te desse lar regularmente.

Faltam 6 meses para eu sair… Tens que me prometer que vais esperar por mim! Vou trabalhar arduamente para passearmos nos locais maravilhosos que tanto descreves nas tuas cartas. A tua praia vai ser a nossa praia. Juro-te que irei enfrentar tudo e todos para teres os melhores anos da tua vida. Talvez não partilhes desta vontade, afinal eu sou uma reclusa que ninguém confia. Mas não faz mal. Se não quiseres eu entendo perfeitamente. De qualquer forma estarei ao teu lado, irei a todas as visitas e garanto que nunca mais estarás sozinha.

Fico à espera da tua carta, ansiosa como sempre para ler as tuas sábias palavras. Um grande beijinho, da tua neta emprestada, que ama-te como uma neta devia amar uma avó de sangue. Yara.


Natacha Figueiredo
Contos para Avós : Carta da tua neta reclusa Contos para Avós : Carta da tua neta reclusa Reviewed by Unknown on 06:56:00 Rating: 5

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