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Desafio no meu tempo : No meu tempo o olhar contava


No meu tempo  o olhar contava

Poucas são as vezes que tenho tempo para parar um pouco e reflectir sobre todas as mudanças que já presenciei durante os meus 79 anos. Vi o desafio para escrever este texto e decidi sentar-me na minha sala com o meu caderno e caneta, e concorrer. E posso já começar por aqui, no meu tempo eu iria enviar esta folha escrita à mão num envelope pelos correios. Mas não. Quando terminar, vou sentar-me à frente do meu computador e passar todo o texto para o word e enviá-lo em anexo por email. Modernices que não me fazem qualquer confusão.

O meu nome é Rosalina e criei a minha neta desde os seus 3 anos de idade. Hoje já é uma mulherzinha com 20. Felizmente quando assumi esse compromisso sabia que ia-me deparar com questões que nunca aconteceriam no meu tempo. Estava preparada para abrir a mente e aceitar que as coisas mudaram. Mas confesso que não estava à espera de mudanças tão extremas. Podia falar de vários assuntos, só que escolhi a paixão e o convívio entre as pessoas como temas principal.

No meu tempo eu dava tudo para poder ir ter com as minhas amigas, encontrávamo-nos às escondidas umas com as outras fora de casa, mas o meu pai não me deixava sair sem ser acompanhada pela minha mãe ou irmã mais velha. Rapazes, nem pensar em falar com eles com o meu pai por perto. Poucas foram as vezes que lhe desobedeci e saí sem o seu consentimento, mas foram essas vezes que marcaram para sempre a minha vida. Recordo-me de duas tardes que saí com a minha irmã para ir ter com o nosso grupo de amigas, lembro-me de querer aproveitar ao máximo cada minuto pois sabia que tão cedo não voltaria a acontecer. Mas a única noite que saí sem permissão de ninguém fez com que mudasse toda a minha vida. 

Tinha 17 anos e fui ao baile da terra porque o único homem que eu amei na minha vida estava lá. Gostava dele desde sempre, morava a três ruas da minha casa, costumava ficar a observá-lo pela janela sempre que lá passava e ele olhava de volta e sorria para mim. Tinha pedido à minha melhor amiga para me convencer a ir e ela assim o fez. Fui ao baile cheia de medo que alguém me visse e contasse aos meus pais. Quando lá cheguei vi-o e fiquei ali parada, ele veio ter comigo com as mãos atrás das costas. Parou à minha frente e disse-me para eu ficar com aquela carta e responder-lhe. Olhou-me nos olhos a sorrir e voltou para o seu lugar. Não sabia bem o que fazer, então fui-me embora. Na carta ele dizia que gostava de mim há muito tempo e se eu queria namorar com ele mas que queria que eu contasse aos meus pais. Resumindo, começamos a namorar às escondidas por carta. Passaram-se 3 anos até eu ganhar coragem para assumir aquele namoro, pois o meu pai sempre disse que não queria ouvir falar de namorados. Quando chegou esse dia, os meus pais aceitaram bastante bem, tão bem que acabamos por casar em 6 meses. Sou casada há 59 anos com esse maravilhoso homem e valorizo cada minuto com ele. Nestas quase seis décadas aproveitámos para conviver com os nossos amigos até que a morte nos separasse e, ficou a sensação que podíamos ter aproveitado mais. Conviver com aqueles que amamos preenche-nos a alma e nada devia mudar isso.

Hoje em dia, eu olho para a minha neta, que é como se fosse uma filha e por vezes sinto que ela se sente só. Mas isso sou eu que acho. Ela tem imensos amigos, um namorado querido mas que passa mais tempo a falar com ela pela internet do que ao seu lado. Quando estamos juntas em casa, ela fica sempre no portátil ou no telemóvel a falar com ele. Quando se reúnem em outra ocasião, cada um agarra-se ao seu telemóvel a falar com os amigos do Facebook. As tecnologias não me fazem confusão nenhuma, o que me faz confusão é que nos dias de hoje as pessoas têm total liberdade de aproveitar para conviver presencialmente e não o fazem. Olho para aquele amor com alguma estranheza confesso, porque naquela idade com a paixão à flor da pele, cada momento deles juntos devia ser inesquecível. Mas eles não. Acabam o namoro todos os meses pelo telemóvel ou pelo Facebook. Nas horas mais difíceis da sua relação nunca se olham nos olhos. 

Eu tento compreender que os tempos mudaram, mas no meu tempo o olhar valia muito mais do que mil frases escritas atrás de um ecrã qualquer. E o que me entristece é que eu sei que ela não é um caso há parte.
As pessoas importam-se mais com tirar fotografias delas e mostrar aos amigos, do que tirar uma boa fotografia em grupo para marcar aquele momento. Provavelmente as pessoas mais jovens não sentem nada daquilo do que eu estou a dizer, mas no meu tempo gostávamos de rir e discutir a olhar nos olhos daqueles que amamos.

Rosalina Fernandes (Vencedora do Desafio "No meu tempo..." da REVISTA REVIVER)
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